O entrevistado do mês de junho do clube de matemática da spm é Daniel Folha – Astrónomo, professor universitário e comunicador de ciência. Numa viagem à escala planetária, desde as reminiscências da infância, passeando não pelas fases da Lua mas de estudante de sucesso, pela gestão do Planetário do Porto - Centro CIência Viva, pelos tempos livres e visto "À Distância" pela rubrica que escreveu durante anos no clube, nada nesta entrevista vai para o buraco negro ou para espaço. Pelo contrário, não sendo necessário telescópio, pode ler esta entrevista não nas estrelas mas aqui.
És natural de Matosinhos. Pode dizer-se que a tua infância foi 5 estrelas?
Foi cinco estrelas, sim. Amigos, brincadeiras ao ar livre e em casa, cromos...de futebol e futebol. Muito! TV a preto e branco, com moderação, até porque não havia muita, mas com séries de ficção científica e documentários que, sem eu na altura saber, acabaram por me marcar para sempre, ao ajudar a definir o meu percurso profissional. Se se contar bem...5 estrelas!
Foste sempre bom aluno. É caso para dizer que nunca andaste na Lua em relação aos estudos…
Não, nunca andei na Lua em relação aos estudos. :) Felizmente os meus pais foram capazes de me transmitir a importância de aprender e de que para aprender era preciso estudar. Não de estudar para passar ou para passar em exames. De estudar para aprender! Isto vindo de pessoas humildes que, por circunstâncias da vida, não puderam continuar a estudar para além do que era o básico nos meados do século passado, mostra uma visão bem para além da instrução formal que tiveram na escola da altura. Estou-lhes eternamente grato, também por isso!
És licenciado pela FCUP em 92 em Física/Matemática Aplicada. Como foi esse percurso?
Vejo-o como um percurso em crescendo. No ensino básico e secundário fui sempre bom aluno, verdade, mas não um aluno brilhante. Estudar para tentar ser cientista era um conceito estranho para mim. Afinal eu não era, nem sou, nenhum génio! Mas lá me decidi a ir pelo que a paixão ditava: a astronomia. O curso chamava-se Física/Matemática Aplicada (ramo Astronomia). Não havia outro ramo. O objetivo do curso era formar astrónomos. Fui ficando melhor aluno ao longo do curso, não tenho dúvida de que puxado pelo ambiente académico da FCUP e do curso em particular: amigos, colegas, professores. Houve dificuldades? Claro que sim. Angustias, frustrações. Mas as dificuldades conseguem ser vencidas quando se gosta do que se faz e quando há um objetivo claro.
Fazes o Mestrado em Astrofísica no Queen Mary & Westfield College (QMW), Universidade de Londres (Reino Unido) em 1993 e o Doutoramento em Astrofísica, também no QMW, em 1998. Como foi?
Foi uma experiência extraordinária, a todos os níveis. Foi um crescimento exponencial como pessoa e no relacionamento com os outros e com o mundo. Viver numa cultura diferente abre horizontes que nem se perspetivavam, dentro e fora do mundo académico. Londres tem a particularidade de ter gente de todo o lado e o Queen Mary não era exceção. Uma amálgama cultural numa base britânica. E ainda por cima no país do futebol. Acho que já referi futebol, não já?! (gargalhada).
És Diretor Executivo do Planetário do Porto - Centro Ciência Viva, astrónomo do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço e és Professor Auxiliar Convidado no Instituto Universitário de Ciências da Saúde (IUCS/CESPU). Como astrónomo deves controlar o tempo…
[Agora, grande gargalhada, ou LOL, nos tempos que correm]. A sensação é de que o tempo está sempre, mas sempre, a fugir por entre os dedos. Na realidade nada disto funciona separadamente. De momento não há tempo para fazer investigação, mas para ser um astrónomo que faz comunicação de ciência e que tem um papel na gestão de uma infraestrutura de promoção da cultura cientifica e tecnológica, o Planetário do Porto – Centro Ciência Viva. O ensino no IUCS/CESPU é de Física, em cursos da área das Ciências da Saúde e a sinergia entre a experiência de lecionar neste contexto e a experiência de comunicação de ciência não é nada irrelevante. De um modo simples, digamos que não se fala de Física para estudantes em áreas de Ciências da Saúde do mesmo modo como se fala de Física para estudantes de Engenharia, de Física ou de Astronomia, mesmo quando se abordam as mesmas matérias. No fundo trabalha-se com a fronteira entre ensino informal e o ensino formal que, espero, seja benéfico em ambos os contextos.
O que destacarias no Planetário do Porto – Centro de Ciência Viva nos próximos tempos que não se pode perder…
Não se pode perder a nova produção do Planetário do Porto – Centro Ciência Viva, dirigida aos mais pequenos, do pré-escolar aos 7 anos, que estreia este 1 de junho: “Há Formas no Espaço”. Deixo um mote: a Lua é redonda. Mas...é redonda como uma pizza ou redonda como uma bola? Formas no espaço?? Acho que temos aqui alguma geometria para os mais novos! Esta matemática anda por todo o lado! Em julho haverá nova estreia. Será preciso estar atento às redes sociais do Planetário do Porto – Centro Ciência Viva.
Para se ser um bom astrónomo tem de se ser bom a matemática porque…
Porque a matemática é intrínseca ao modo como estruturamos o real, logo o Universo e o que ele contém.
O telescópio é uma das grandes invenções da história da ciência?
Com certeza! É um instrumento que nos permite “viajar” no espaço e no tempo. Julgo que não temos outro instrumento que nos permita realizar tal feito. São estas viagens “de telescópio” que nos ajudam a melhor compreender o nosso lugar no Universo, quão frágil é o nosso planeta e que, pelo menos de momento, não temos qualquer outro local onde possamos habitar e dar expressão à nossa humanidade, no que de mais belo e positivo ela possa ter.
Qual é o planeta que te fascina mais?
Se quiseres mesmo que escolha um, tem que ser a Terra! O nosso lar numa vastidão de tempo e espaço! Mas o que é verdadeiramente fascinante é o Sistema Solar como um todo, a sua estrutura/arquitetura e dinâmica em grandes escalas de tempo: planetas a migrarem, planetas a trocarem de posição em termos de distância ao Sol, asteroides a serem “disparados” para outros locais do Sistema Solar, eixos de rotação planetários a reorientarem-se... E depois os exoplanetas (planetas que orbitam outras estrelas) e os sistemas de exoplanetas, cuja arquitetura é muito diferente da do Sistema Solar!
O que mandavas sem hesitar para o buraco negro ou para o espaço?
Não vamos contaminar o espaço ou outros astros com o que de mau temos! É melhor lidarmos com o nosso “lixo” por cá e transformá-lo em coisas úteis.
Nos teus tempos livres jogas futebol e corres maratonas. Queres nos dar uma explicação para estas atividades?
Futebol já não jogo. O corpo reclamou em demasia nas últimas vezes que joguei e foi hora de colocar o ponto final numa atividade que foi uma enorme paixão desde que me conheço como gente. As maratonas são consequência de uma atividade regular de corrida com cinco anos e meio. Depois de começar, correr com regularidade é viciante. Para mim as corridas são alturas de algum egoísmo: é estar mais próximo de mim próprio, sentir-me mais, com os vários sentidos! A primeira maratona corro em 2016. Fui experimentar a do Porto. Ver até onde conseguia ir. A muito custo, lá fui até ao fim! 42 195 metros! Uau!! Repeti em 2017 e em 2018. Algures durante os últimos 10 km de cada uma, perguntava-me porque estava a fazer algo tão desagradável! A recompensa chega no fim, com um enorme sentimento de superação. Este é um sentimento que permanece e que é muito útil quando surgem obstáculos que parecem intransponíveis em atividades quotidianas, porque sabemos que a capacidade de superação está cá.
Escreveste durante mais de cinco anos para o clube de matemática da spm sobre astronomia. Como foi esta experiência?
Sofro da síndrome da folha em branco! Começar a escrever é, para mim, quase sempre um processo penoso que requer grande esforço, pelo que aceitar escrever com periodicidade mensal para o clube de matemática foi um desafio. Julgo que foi um desafio superado, mas são os leitores quem podem, de facto, fazer essa avaliação. Depois da “caneta começar a correr”, escrever sobre astronomia é um grande gosto. Os textos da rubrica “À Distância...” continuam disponíveis através de pesquisas na categoria “Eixos de Opinião”. São minimamente interessantes e compreensíveis para leigos em Astronomia? Esse era o objetivo. Digam-me se foi cumprido.
O que é que se pode ler nas estrelas que não está nesta entrevista?
Tanta coisa! Como se podem ler as estrelas? Através da luz que dela nos chega e que é o veiculo da informação. Luz visível e “luz” de todos os outros comprimentos de onda, desde as ondas rádio até à radiação gama. É fascinante como se descodifica a informação para compreender o Universo. Há ainda tanto para aprender e compreender...
Por Carlos Marinho