Entrevista a Filipe Oliveira - Presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática

Clube Entrevista

O entrevistado de janeiro de 2019 do Clube SPM é Filipe Oliveira, Presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática. A infância, a escolha da matemática, o ISEG e a SPM são temas desta conversa.

Em poucos cálculos o que nos podes contar da tua infância?
Foi uma infância tranquila e feliz - a cavalo entre os anos setenta e oitenta - vivida entre São Domingos de Benfica e a Costa da Caparica, durante o verão. 

O teu gosto pela matemática tem origem em que referencial?
Recordo-me que no ensino primário, atual 1.º ciclo, não gostava especialmente de Matemática. Tudo me parecia demasiado mecânico e desinteressante. Também não ajudava o facto de na altura o ensino da Matemática nesse nível se confundir frequentemente com o desenvolvimento da motricidade fina. Eu era incapaz de fixar com segurança uma régua ou de segurar num lápis em condições! Neste registo marcou-me em especial um episódio de “cálculo prático” do pi. Estava na segunda classe quando a professora nos mandou trazer um objeto circular (tipicamente uma tampa de tupperware) e um fio de embrulho. A ideia era ajustarmos o fio em torno da tampa, medir o perímetro assim obtido e deduzir um valor aproximado de pi dividindo esse perímetro pelo diâmetro.  Obtive o pior resultado da turma, com um pi em torno de 3,5… os outros meninos obtiveram todos algo entre 3,1 e 3,2, recordo-me bem! Os meus pais foram mesmo chamados à Escola para que se discutissem as minhas grandes dificuldades a Matemática. 
Mais tarde, já no 6.º ano, o meu professor de Matemática, de nome Christian Auscher, fez-me ver que os quadriláteros que têm os lados opostos paralelos são aqueles cujas diagonais de bissetam.
Foi uma verdadeira revelação. Fiquei fascinado ao perceber que duas características à primeira vista tão distintas podiam descrever exatamente os mesmos objetos.  Nesse mesmo dia percebi que o meu futuro seria a Matemática, apesar de algumas incursões por outras áreas, nomeadamente durante a adolescência.

És professor do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa. O que ensinas em concreto?
Sou professor do ISEG há cerca de um ano. A maior parte da minha carreira, até à data, foi passada em Escolas de Ciências e de Engenharia. O meu serviço varia muito de semestre para semestre. Vai desde disciplinas de Matemática elementares para centenas de alunos dos primeiros anos até outras mais técnicas e avançadas em que o número de alunos presentes na sala se contam pelos dedos de uma mão.

Assumires a presidência da SPM é algo natural uma vez que és dos elementos com mais experiência acumulada dos últimos anos na Instituição. Nuno Crato, Miguel Abreu, Fernando Pestana da Costa e Jorge Buescu são...
Excelentes amigos, e, infelizmente para mim, pessoas muito difíceis de igualar.  

Temos professores de matemática que fazem carreira de sucesso fora de Portugal (Irene Fonseca, André Neves, Afonso Bandeira entre outros). A matemática é uma boa profissão para qualquer jovem que pense seguir esta área? 
As pessoas que referes são investigadores de exceção e de um talento muito raro, não podem a priori servir de exemplo. Há uns (largos) anos estive no júri de um concurso para jovens promovido pela SPM e pelo Público a que concorreu um tal de Afonso Bandeira, então com uns dezasseis anos de idade. Recordo-me que apresentou um estudo sistemático com vista ao cálculo explícito do termo geral das soluções de equações lineares às diferenças de segunda ordem, nas quais se insere, por exemplo, a muito famosa sucessão de Fibonacci. Recordo-me que fiquei com muitas dúvidas quanto à paternidade do trabalho, mas depois de o ter questionado durante a apresentação oral fiquei absolutamente convencido de que tudo aquilo era de facto da lavra dele. Serão decerto muito poucos os jovens que exibem este tipo de talento.
Posto isto, um curso e uma carreira em Matemática é algo de muito atrativo para qualquer aluno empenhado. Em 2018, a prestigiada publicação americana Career Cast colocou a profissão de «Matemático» em segundo lugar do ranking, com um salário médio anual de 81950 dólares (cerca de 72000 euros, sejam 5000 euros mensais pagos em 14 meses). Isto deve-se certamente à grande versatilidade do Matemático, capaz de analisar de forma crítica e rigorosa fenómenos oriundos de áreas muito distintas. É esta a força da abstração matemática: não só se aplica em muitos contextos como, ao conseguir aplicar-se, é praticamente imbatível.

A SPM é a maior instituição matemática em Portugal. Qual é a sua importância no desenvolvimento da matemática?
A Sociedade percorreu um longo caminho desde a sua fundação, afirmando-se hoje de forma inequívoca no panorama nacional como uma instituição de referência nas três componentes que constituem a sua principal missão: a promoção da Investigação científica, a defesa da qualidade do Ensino e a Divulgação da matemática para públicos diversificados.
A par da Sociedade, também o país percorreu um longo caminho nas últimas décadas e devemos olhar o futuro com algum otimismo: a atividade de investigação tem-se desenvolvido de forma robusta. A qualidade da investigação produzida em Portugal aproxima-se a passos largos da dos melhores centros a nível europeu. No que diz respeito ao Ensino, após os catastróficos resultados obtidos nos anos noventa do século XX, o desempenho dos alunos portugueses está hoje, tendo em conta os últimos estudos internacionais (2015), totalmente alinhado com o desempenho dos jovens oriundos dos países mais desenvolvidos da OCDE.
A nossa Sociedade não pode naturalmente chamar a si a responsabilidade por estes sucessos. Contudo, não nos devemos coibir de ter orgulho na nossa contribuição para tais progressos, tendo-nos mantido sempre firmes e coerentes ao longo de largos anos na defesa da excelência da atividade matemática nacional em todos os seus aspetos.

Um bom livro será “A obra ao Negro”, de Marguerite Yourcenar e um bom filme seria Gattaca, de Andrew Niccol. Porquê estas escolhas?
Em contextos bem diferentes, ambas as obras são odes à perseverança e à resiliência, qualidades que muito admiro.

Por Carlos Marinho

Publicado/editado: 01/01/2019