Entrevista de Janeiro de 2020 a Eduarda Castro - Professora do 1º Ciclo de Mirandela

Clube Entrevista

A Entrevista número 100 do clube de matemática da spm é a Eduarda Castro - Professora de 1º Ciclo. Nasceu em Moçambique onde teve uma infância maravilhosa, desde cedo demonstrou gostar de matemática. É professora do 1º ciclo em Mirandela na Escola Básica do Convento onde é muito feliz. Tem uma relação extraordinária com alunos e pais, com aulas dinâmicas e positivas. Aqui fica a fatorização desta excelente entrevista de uma professora à frente do seu tempo:

Nasceu em Moçambique. Como foi a sua infância? 
Sim, nasci Moçambique. Um país maravilhoso. A minha infância foi muito feliz. Em pequena vivi em pequenas localidades, longe das cidades. Aí, foi-me proporcionado conviver com a vida selvagem conhecê-la de perto, onde tomei medo dos répteis. Os meus melhores amigos, nesse tempo, eram os animais. Logo que entrei para a escola, os meus pais vieram viver para uma pequena cidade chamada Matola, muito perto de Lourenço Marques, onde vivi até 1974. Criei muitos amigos que atualmente, se encontram espalhados pelo mundo. Brinquei muito com rapazes e raparigas. Gostava muito de conviver.  

O que recorda com saudade de Lourenço Marques?
O que recordo da minha terra? Tanta coisa, da vida do mato, onde ida com o meu pai ainda miúda, das jiboias, dos rios infestados de hipopótamos, das praias de águas quentes e transparentes. Da vida de estudante. Frequentei o liceu D. Ana da Costa Portugal depois do 1.º ciclo, era só de raparigas e posteriormente, transitei para o Liceu António Enes, onde terminei os estudos liceais, na alínea F. 
Outras das recordações são os tempos de convívio na praia com os amigos e suas violas, sobretudo nas festas de fim do ano e dos bailes em salões sumptuosos. Mas do que mais tenho saudades, é do sol, luz e calor daquela terra.

Veio para Portugal, para Moncorvo. Como foi essa mudança? 
Foi muito complicada e difícil, sem nenhuma saudade. Em 1974 tinha entrado em agronomia em Lourenço Marques, como vim para Lisboa, pedi transferência e não tive vaga. A partir daí, foi uma mudança de 360º da minha vida. Nunca cheguei a estudar em Lisboa. Passei a viver em Moncorvo, Trás-os-Montes, com o marido e depois 2 filhos. 

Tirou o magistério. Mais tarde, licenciou-se em Matemática e Ciências na Escola Superior de Educação de Bragança que lhe permitia lecionar matemática no 2º ciclo. Como foi esse tempo?
Quando em Moçambique me candidatei a agronomia, já tinha muito claro que queria ter uma forte ligação à matemática. Muitas vezes, perguntei se isso era possível ao meu pai, que me respondeu afirmativamente, dando-me exemplos de pessoas conhecidas que o tinham feito. Porém, tudo se alterou. Houve um período de inatividade nos estudos, por motivos anteriormente referidos, até que surgiu a solução de tirar o curso do Magistério Primário em Bragança. 
Todavia, tirado o curso, não me sentia totalmente realizada. Faltava-me a matemática dos porquês de ensinar este ou aquele conteúdo, não uma matemática de gavetas ou compartimentos. Precisava de mais matemática. 
O Magistério deu-me sim, a parte da didática, de saber lidar com crianças pequenas. Gostava muito de ser professora. Contudo, nunca perdi de vista a matemática. Dez anos depois, concretizei esse meu desígnio, tirar uma licenciatura do Ensino Básico em Matemática e Ciências da Natureza, durante quatro anos com estágio integrado. Tinha atingido, um dos meus sonhos. 
Concorri para o segundo ciclo e foi colocada em Barcelos. Lugar que não ocupei. Decidi manter-me no 1.º ciclo, pois aqui havia muito poucos docentes com a formação académica em Matemática e por isso, era preciso ficar neste nível de ensino, para atenuar o papão da matemática. Não me arrependi. 
Consequentemente, comecei a frequentar muita formação na área de matemática, deslocando-me muitos quilómetros. Adquiri muito mais conhecimentos. Considero que o meu “Know how”, nesta área, é muito grande para este nível de ensino. 

Escolheu ser professora do 1º Ciclo. Atualmente na Escola Básica do Convento, no Agrupamento de Escolas de Mirandela. Porque gosta de ensinar?
Eu adoro ensinar. Eu gosto muito da minha profissão, sinto amor em ensinar. Apesar da idade e, de já poder estar em funções de apoio educativo, optei por ter turma, porque sinto um enorme prazer em dar meu cunho pessoal nas minhas pedras preciosas, os meus alunos, sobretudo, porque como professora generalista, posso fazer transversalidade ou conjugações entre as diferentes disciplinas. Ensinar no 1.º ciclo é um enorme desafio. Adoro desafios! 

Como é a sua escola e os seus alunos? E os pais dos seus alunos?
A minha escola atual tem dois anos de vida. É um centro escolar, muito simpático e acolhedor, até posso dizer que o acho bonito. Já lhe criei amor. Tem condições que até agora não tínhamos, quer alunos, professores e funcionários. Todavia, ainda lhe falta a sala de informática e vídeos projetores em todas as salas. Porém, a minha sala possui tudo isso, devido ao meu investimento pessoal no equipamento em falta. 
Os meus alunos (vinte e seis) são crianças fabulosas, muito ativas e participativas em todas as atividades. Gostam de todas as disciplinas, mas adoram matemática. Gostam de aprender tudo o que lhe é proposto. Apreciam a representação, a música e a educação física. Adoram desafios.
Falar dos pais dos meus alunos, é muito fácil e gostoso. Não sei se terei palavras para os descrever. Tenho encarregados de educação únicos. Poucas vezes, tive um conjunto de pessoas tão empenhadas na escola dos seus filhos, nos seus progressos e de uma grande cooperação com tudo o que a docente propõe ou a escola. Entre mim e eles há uma enorme cumplicidade, colaboração e amizade. 

Durante muitos anos deu formação na área da matemática. Quer explicar-nos como foi esse percurso?
O Ser formadora foi por acaso, nunca me tinha passado pela cabeça, mas como investi muito na minha formação na área da matemática, indo frequentar várias formações ao Porto, Póvoa de Varzim, Lisboa, Braga e outros locais, surgiu o convite para tal. Fiquei como formadora no interior e disseminadora de formações na didática da matemática. Tive diversos Centros de Formação que me solicitaram. Foi formadora ativa durante 7 anos. Este período também me realizou e fi-lo com prazer. Agora, por opção não estou disponível. 

Gosta muito de matemática. Porquê?
Gosto muito de matemática, sim. Sempre tive com ela uma belíssima relação. Tenho várias histórias, enquanto estudante, com a disciplina de matemática que me deram esse gosto. Tive uma professora de 1.º ciclo que me incentivou e uma mãe exímia em cálculo metal e resolução de problemas. Depois muita dedicação da minha parte no secundário e na universidade. Outro dos motivos de gostar de matemática é de não decorar. Fui sempre muito preguiçosa quando tocava a decorar. 

No ano passado o coordenador do clube SPM Carlos Marinho visitou a sua escola, a sua sala de aula. Como foi?
A visita do Carlos Marinho à minha sala de aula foi fantástica! Confesso, que achei uma atitude muito bonita e simpática da parte dele. Para mim inesperada, tendo em conta a distância que nos separava e o nível de ensino. Mas os meus alunos foram-lhe gratos, pois receberam-no muito bem, interagindo espetacularmente, com ele nas suas propostas matemáticas e nas suas magias. Temos muitos registos dessa aula. Como prova desse sucesso, ficou apalavrada outra sessão para este ano com pais e alunos. Tenho a certeza que vai ser inesquecível. O Carlos Marinho é incrível!

Tem dois filhos. A família é importante porque…
 sem ela não seria o que sou. O amor, a estabilidade emocional, o acreditar em mim foram fundamentais para formarem-me como pessoa. Os meus filhos e as minhas netas são a minha vida.

O que gosta de fazer nos seus tempos livres?
Apesar dos meus tempos livres de agora, não serem como eram há uns anos atrás. Gosto de passear com as netas, ver teatro, conviver com amigos, resolver desafios e ler artigos sobre matemática. Também me dedico mais, a ler jornais online.

O matemático Alfred Rényi disse um dia que “quando estou infeliz trabalho em matemática para ficar feliz. Quando estou feliz, trabalho em matemática para me manter feliz”. O que a faz feliz? 
Sou uma pessoa positiva. Sinto-me feliz com a minha vida e sobretudo com a minha profissão, pese embora, todo o mau estar da carreira docente. Estou quase a chegar ao fim do trajeto profissional. Não penso com muita ansiedade na reforma. Acho até, que estou com medo dela. 

 

Publicado/editado: 01/01/2020