Entrevista a António Machiavelo - Professor de Matemática da FCUP

Clube Entrevista de Setembro de 2019

António Machiavelo é um professor de matemática da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP). Nasceu na cidade de Matosinhos, teve uma infância com belas soluções infinitesimais, desenhando posteriormente funções com régua e esquadro, intersectando a sua paixão pela matemática com a de ensinar. Os EUA foram um espaço com um intervalo limitado mas seria a FCUP a escolha para o seu lugar geométrico perfeito. Os tempos livres também fazem parte do plano, com pontos bem marcados em diferentes quadrantes.
Em cálculos bem simples fica aqui a entrevista com este conjunto de chegada...

Nasceste em Matosinhos. Em poucos cálculos, como foi a tua infância? 
Foi óptima, com muita brincadeira na rua (havia muito menos carros na altura) e em terrenos baldios (que já não existem) com amigos, bolas e bicicletas, assim como na praia, pois cresci a apenas cerca de 600 metros do areal de Matosinhos.

Machiavelo tem origem em…
No meu avô paterno, cujos pais vieram de Génova para trabalhar temporariamente numa empresa de conservas em Matosinhos, e que se apaixonou profundamente (como várias das suas acções o demonstram, que nem o mais bem estabelecido teorema matemático) por uma portuguesa de Trás-os-Montes, e por cá ficou.

A tua paixão pela matemática tem origem em que referencial?
Certamente em mais de que um, nem todos ortonormados, e com variáveis e parâmetros que não ficaram registados na minha memória, mas algo que desempenhou um papel crucial foi a leitura de alguns livros da bilioteca municipal de Matosinhos. Através deles apercebi-me da existência de problemas centenários por resolver nesta fabulosa área do conhecimento que é a matemática. Fiquei, imediatamente, e para sempre, apanhado por uma sensação de mistério ancestral envolvendo esta disciplina, e quis participar na exploração dos seus territórios desconhecidos.

Fazes a licenciatura na FCUP. Ainda te lembras desses tempos?
Sim, de muitas coisas: dos bons, dos muito bons e dos excelentes professores que tive (tento esquecer os maus, que também os houve), de alguns dos colegas, de aulas, mas, acima de tudo, lembro-me do enorme prazer de atacar problemas desafiantes que alguns dos professores colocavam, em especial alguns dos que davam as aulas práticas.

Vais para os Estados Unidos fazer o doutoramento. Foram tempos inesquecíveis porque…
Porque, para além de aprofundar os meus conhecimentos na área que já há algum tempo mais me deslumbrava, a Teoria dos Números, conheci pessoas interessantes de muitas culturas diferentes e, acima de tudo, tive o enormíssimo privilégio de assistir a duas palestras do Carl Sagan! E, ainda acima disso, fui pai pela primeira vez!

As tuas aulas e palestras envolvem malabarismo. Queres explicar-nos a matemática que envolve esta arte circense?
A relação entre a matemática e o malabarismo reside essencialmente numa forma de descrever os movimentos malabares, capturando algo como o ritmo de um padrão malabar, que ajuda a classificá-los e, também, a elaborar mapas que mostram como transitar de um padrão para outro. Através desses mapas estabelecem-se várias interrelações entre o malabarismo e a teoria de grafos, e a combinatória em geral. Um dos factos mais notáveis destas interrelações é o uso de sequências ditas malabares na classificação de certos tipos de hiper-superfícies trazidas à luz por um dos melhores malabaristas da actualidade, Allen Knutson, e dois seus colaboradores (para os mais corajosos, ver: Allen Knutson, Thomas Lam and David E. Speyer, “Positroid varieties: juggling and geometry”,  Compositio Matematica 149, 2013, pp. 1710–1752).

Dá a sensação que aprender malabarismo assemelha-se à matemática. Dá muito trabalho mas depois dá um prazer enorme. É verdade?
Sim, é totalmente, completamente verdade. Aprender a fazer bem algo que não é trivial (ou seja, algo de realmente interessante), seja na matemática, no malabarismo, na música, no xadrez, como em muitas outras coisas, dá trabalho, muito trabalho, mas as recompensas são gigantescas: cresce-se de modos não previamente imaginados e a vida fica mais interessante. Há esta ideia parva, e mais ou menos generalizada, de que as coisas difíceis são apenas acessíveis a alguns e que “os outros” só são capazes de fazer coisas um pouco mais fáceis. Isto está completamente errado. O que é necessário perceber é que para fazer coisas difíceis, as que são em geral realmente interessantes, é necessário trabalhar muito e bem, e ter muita paciência, percebendo que o esforço há-de dar frutos mais tarde ou mais cedo, mas também é importante aprender a apreciar a caminhada. E isto aplica-se a todas as pessoas, ou seja, todos têm de trilhar o mesmo caminho, passar os mesmos obstáculos. Há uma frase atribuída* ao poeta alemão Friedrich Schiller (1759–1805) que eu gosto de citar nas minhas aulas e palestras: “Apenas os que têm a paciência de fazer as coisas simples com perfeição adquirem a capacidade de fazer coisas difíceis”. É uma verdade que é urgente digerir e, depois, atuar em conformidade.

* Nunca consegui encontrar esta frase nos escritos de Schiller, mas imagino que poderá ser uma paráfrase de algo escrito no seu ensaio “On the Necessary Limitations in the Use of Beauty of Form”, disponível aqui.

És professor da FCUP. Como é ensinar nesta instituição?
É uma excelente experiência, um desafio constante, com o privilégio de ter a oportunidade de conhecer pessoas notáveis de todas as gerações.

Escreveste durante os primeiros tempos para o clube spm na rubrica “entre parênteses” e nos “contos de 3º grau”. O que puderam ler os leitores do clube?
Na rubrica “Entre Parênteses ()” escrevi uns pequenos ensaios sobre a matemática, a sua natureza e os seus usos. A participação nos contos foi limitada por falta de tempo, mas foi uma experiência muito interessante.

O que fazes nos teus tempos livres?
Leio, especialmente obras literárias e ensaios de cariz filosófico, pratico malabarismo, aprendo chinês e árabe, jogo xadrez, passeio e, como todos, faço outras coisas que não se confessam em público.

O matemático Alfred Rényi disse um dia que “quando estou infeliz trabalho em matemática para ficar feliz. Quando estou feliz, trabalho em matemática para me manter feliz”. O que te faz feliz? 
Sem dúvida que tabalhar em Matemática é um dos maiores prazeres que tenho o privilégio de poder gozar, mas também adoro estar com as pessoas que me são mais próximas, ler coisas interessantes e aprender coisas novas.

Entrevista realizada por Carlos Marinho

Publicado/editado: 01/09/2019