Entrevista com Duarte Champalimaud-Empresário e CEO da Consulta ClicK

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Entrevista com Duarte Champalimaud - Empresário e CEO da "Consulta Click"
   

 

Duarte Champalimaud, empresário e CEO da empresa Consulta Click (neto de António Champalimaud) é o nosso entrevistado do mês de novembro. A infância, a descoberta tardia pelo gosto com a matemática, a família, o trabalho, a engenharia são aspectos de fácil negociação numa entrevista que vai até si nesta factorização...

 

O que nos pode contar da sua infância?
A minha infância de certa forma desenhou o meu carácter actual. Por um lado, por ser o filho mais velho, comecei a ter um sentido elevado de responsabilidade e protecção pelos meus irmãos mais novos, por outro, a perda de um irmão um ano mais novo, alterou o equilíbrio natural da minha família fazendo-me crescer mais rapidamente do que devia. No entanto, sinto-me afortunado pela presença e ambiente familiar que sempre tive.

Com 10 anos de idade como era o pequeno Duarte na escola?
Aos 10 anos, segundo me contam já era hiper-activo, com episódios de falta de concentração que dificultavam a vida aos meus pais. Ou seja, tinha dificuldades de aprendizagem, alguma gaguez e, levava a minha mãe à exaustão. Necessitava de estar em constantes actividades e, por isso era uma criança que absorvia muita atenção dos meus pais. Lembro-me também de gostar de perceber o funcionamento das coisas, era algo que me intrigava. Desmontava quase tudo o que tinha à frente, o problema era depois, uma vez que na maioria das vezes não conseguia montar os objetos de volta. Curioso que ainda hoje faço o mesmo! Com a minha gaguez e dificuldade em perceber certas coisas tinha alguma dificuldade em me socializar. Curioso é que tenho a percepção que  esta dificuldade em me socializar em criança, foi importante na minha personalidade atual, que me garantiu tornar-me uma pessoa bastante socializável em todos os ambientes.

Gostava de matemática?
Não! Como poderia gostar de uma coisa que não entendia e que passava as aulas sempre a tentar chegar lá. A matemática é um jogo que não se pode entrar a meio. Temos de entender o inicio para poder desenvolver e chegar ao final. A minha hiper-actividade fazia com que me distraísse e isso era fatal para perceber esta ciência. Já História, por exemplo, que não me atraia muito na altura, era fácil de recomeçar. Apesar de não gostar da matemática sempre tive curiosidade pela física e o meu raciocínio sempre foi muito à base da lógica, o que já mostrava uma certa proximidade à Matemática e, que se veio a revelar nos meus 16 anos através de um explicador que me desbloqueou e desmistificou o assunto. Foi aí que me casei para sempre com a matemática que hoje tanto gosto.


A matemática era susceptível de ser negociada na escola? 
Se entendo bem a pergunta respondo que não. Nunca na escola esperaram por mim para que percebesse. Ou entrava no autocarro e ia com todos ou ficava sozinho na paragem e a maior parte das vezes sentia-me sozinho neste tema. Todos somos diferentes e apesar da matemática ser talvez a disciplina que se aproxime mais da exactidão cada um tem o seu raciocínio e lógica. As escolas que andei até ao meu 9º ano sempre seguiram aquela doutrina de forçar os alunos a serem o que a escola acha melhor e não a doutrina, que hoje defendo, e que é, a escola deve explorar o que cada aluno tem de melhor. Todos somos diferentes e ainda bem. Se uma pessoa tem mais queda para a pintura devemos estar lá para apoiar e incentivar. Fazem tanta falta no mundo pintores, como matemáticos ou profissionais de outras áreas.


 


Um momento em que a matemática o tenha marcado definitivamente?
Quando pela primeira senti que era o melhor aluno da turma na disciplina, aí senti uma desmistificação do mundo por assim dizer. Nada era inalcançável. Curiosamente este momento deu-me muita segurança como pessoa. De todas as características que uma pessoa pode ter, a auto segurança é talvez que que mais felicidade pode dar a um indivíduo, da mesma maneira que a falta dela pode dar uma insatisfação tremenda. É isso, entender matemática deu-me confiança para ter força e vontade de viver. No meu caso, claro que não foi a matemática em si, mas o facto de, ter desmistificado algo que antes me parecia tão longínquo.

Tem um filho de dois anos. A matemática fará parte do investimento educativo do seu filho?
Sem dúvida, mas nunca o forçarei a aprender algo que não faz parte do interior profundo do meu filho. O meu único objectivo é apoiá-lo no que ele queira ser, tentanto garantir assim, a sua felicidade, que é o único objetivo que me interessa. Claro que seria mais fácil apoiá-lo em algo que eu entendo. Quero simplesmente dotá-lo de ferramentas para que ele possa decidir e não seja obrigado a escolher. Um exemplo claro, são os idiomas, tentarei dar-lhe esta ferramenta para que ele possa viver em Portugal por vontade própria e por se sentir bem e, não por necessidade. 

 
Ser empresário necessita de muito tempo. Ver um filho a crescer é fantástico. Que tipo de geometria  pretende impor-se para correlacionar ambas as situações?
É um equilíbrio muito difícil de conseguir. Parto do principio que prefiro ter menos bens materiais e passar mais tempo com o meu filho. Não quero que a vida me passe ao lado. O que quero dizer é que temos de ir vivendo a vida todos os dias, com as pessoas que mais gostamos, se não que sentido ela teria? Obviamente que aproveito, responsavelmente, a sorte que a vida me trouxe ao colocar-me diante de várias oportunidades, nomeadamente, a de ter uma formação completa e poder ter um tipo de trabalho mais flexível. Por outro lado, ao ter sido um pai tardio tive oportunidade de crescer profissionalmente e chegar à possibilidade que hoje tenho de lhe poder dar mais apoio e ter maior disponibilidade de estar com ele, dando-lhe assim maior qualidade de vida. Só espero que isto não lhe tire a “fome” de viver. Condição imprescindível à felicidade de qualquer individuo.



Licenciou-se em engenharia. Porque não em economia ou gestão de empresas?
É fácil de responder. Pela minha queda pela física e curiosidade em perceber como funcionavam mecanicamente as coisas. Tive a sorte de não ter tido muitas dúvidas. Foi um passo natural. Muitas pessoas acham que se deve escolher os cursos pela sua saída no mercado de trabalho ou até mesmo seguir as pisadas do Pai. Eu acredito que um curso serve-nos para estruturar o raciocínio em algo que temos de gostar e que devemos escolher pela nossa apetência, já que na vida sempre que fazemos algo que gostamos é meio caminho andado para sermos os melhores nessa competência. 

  

Um dia complicado de trabalho do Duarte Champalimaud é...
Sentir que se teve atrás do dia e não à frente. Ou seja sentir que se apagou mais fogos do que se inovou.


 


Como vê o aumento do número de alunos nas salas de aulas de matemática em Portugal?
Não estou por dentro da realidade portuguesa. No entanto, com base na minha experiência é fundamental que todos os alunos de uma aula tenham as mesmas bases matemáticas para poderem evoluir em conjunto, ora uma aula do ensino secundário com muitos alunos dificilmente o professor consegue garantir essa sintonia.

Aristóteles referiu que “somos aquilo que fazemos repetidamente”. Tal como na matemática, nos negócios poderá também ser verdade?
Claro que sim, daí a grandeza e profundidade da frase, que se adapta a todas as circunstâncias e não só ao trabalho. Todos nós temos padrões consistentes ao longo da nossa vida. Ao longo do nosso envelhecimento vamos adquirindo a clareza de que somos desde o momento zero.

O País está com problemas. Sair da crise é uma incógnita ou tem soluções possíveis e determinadas?
Esta pergunta está em quase todas as entrevistas que se fazem em Portugal. É normal que o faça porque a resposta está sempre entre a diversidade de opiniões e as culturas. O mundo e, neste caso concreto Portugal, está a sofrer uma mudança geracional e cultural onde os códigos de antigamente não são os mesmos dos de agora. A ajudar à festa a própria revolução digital acelera todas estas mudanças culturais. Assim sendo e deixando só um solução genérica nas muitas necessárias julgo que a nova geração tem de se habituar á ideia de procurar um trabalho e não um emprego. Com isto não digo que é necessário trabalhar mais tempo mas sim sermos mais eficientes. O que deve segurar o nosso posto de trabalho é o nosso próprio trabalho. 

 

Diz-se que um negócio tem muito de emocional. Onde entra a matemática? 
A matemática é o que tangibiliza todo o nosso emocional. É uma operação matemática que tende para o infinito já que nunca se conseguirá tangibilizar 100% o emocional. 

A empresa Google batizou o seu motor de busca aproveitando a matemática, através da grandeza e magnitude do número Googol, criado pelo matemático Edward Kasner (10 elevado a 100). Foi  uma boa ideia? 

A ideia é sem duvida boa e criativa, no entanto, não é o segredo do sucesso do Google já que a maioria dos seus clientes não tem ideia de onde vem o nome. Na minha opinião e achando que a matemática é das ferramentas mais fortes que uma pessoa pode ter, o sucesso das empresas tem a haver com trabalho, gestão de equipas e de emoções e, também, sorte que é o ingrediente mais desconhecido.


Por Carlos Marinho
 
Publicado/editado: 01/11/2013