Entrevista com Rogério Martins - o matemático do Isto é Matemática

Clube SPM

Entrevista com Rogério Martins - o matemático do Isto é Matemática

    Clube de Matemática SPM


 


O matemático Rogério Martins é o entrevistado do clube spm neste mês de Natal. Das salas de aula para os ecrãs de televisão da Sic foi um número real, positivo, de domínio bem definido onde a matemática é um objecto cujas imagens têm grande qualidade. Perante esta entrevista bem pode dizer-se: “Isto é Matemática”!

Que tipo de “geometria” foi a tua infância?
Acho que foi uma infância normal... Sempre fui bastante irrequieto, tive a sorte de crescer numa pequena aldeia, andava todo o dia na rua a brincar com os meus amigos... Ainda guardo umas quantas cicatrizes no corpo dessa altura, além de dois dentes partidos. A minha referência era o Tom Sawyer. Bem, na verdade o meu ídolo era o Huckleberry Finn... mas eu tinha sempre, de livre vontade ou obrigado, de voltar à noite para casa como o Tom Sawyer.

A paixão pela matemática teve o momento “zero” com que idade?
Paixão, paixão, só mesmo na faculdade. Sempre gostei de matemática, mas da mesma forma que me interessava por muitos outros temas. Entrei em matemática um pouco por acaso. No primeiro semestre estava numa aula do Prof. Miguel Ramos, que faleceu recentemente de forma precoce, foi um dos meus melhores professores, e ele tinha dado a solução para um problema sobre limites superiores de uma certa sucessão e eu sugeri uma solução diferente, ao que ele respondeu “Bravo!” e toda a turma bateu palmas: nessa altura percebi que aquilo era o que eu queria fazer. Talvez a disciplina que mais gostei em todo o secundário foi Filosofia, 10ºano, com o Prof. Carlos Ubaldo, ficava ansioso pelas suas aulas, na faculdade percebi que afinal a matemática é muito mais sobre ideias do que eu pensava no secundário, é uma espécie de filosofia, só que melhor... 


Quando pensaste que a matemática se ia tornar numa “função exponencial” e deixar de ser uma “incógnita” para o futuro? 
Ao contrario dos estudantes de hoje, tive a sorte de estudar numa época onde era relativamente fácil conseguir um emprego, principalmente em matemática. Como acabei o curso com uma boa média e gostava de fazer investigação, sabia que mais tarde ou mais cedo iria conseguir uma vaga como assistente numa universidade, o que acabou por acontecer, creio que entrei na primeira vaga a que me candidatei, ainda no primeiro ano de mestrado...

Lecionas na Faculdade de Ciências da Universidade Nova de Lisboa. O que ensinas e o que fazes em concreto?
Normalmente, pelo menos antes de começar a apresentar o programa de televisão, divido o meu tempo entre o ensino e a investigação, mais ou menos metade do tempo para cada. Normalmente ensino matemática para futuros engenheiros o que é bem giro, os engenheiros são muito críticos, e ao contrario dos alunos de matemática que pensam sempre duas vezes antes de fazer perguntas, os alunos de engenharia, talvez por não terem tanto receio de dizer asneiras, tendem a ser mais espontâneos. Assim as aulas são bem animadas... A outra metade do meu tempo, passo-o com os meus artigos, a estudar e a escrever  sobre problemas de equações diferenciais e sistemas dinâmicos, a área em que faço investigação... Estive um ano praticamente a tempo inteiro dedicado ao programa “Isto é matemática”, este semestre voltei a dar aulas, estou a ensinar análise complexa a estudantes de engenharia electrotécnica, biomédica e física. 

Sinais de trânsito, campos de futebol, folhas de papel, bicicletas...uma definição do “Isto é Matemática” é...
Uma forma de apresentar a matemática de uma maneira informal e descontraída; a verdade é que não me parece possível apresentá-la de outra forma em televisão para um público tão geral. Um dos nossos objectivos é que o nosso público passe a ver a matemática como algo que vale por si próprio, pelas suas ideias, que veja o nosso programa como quem vê um documentário, por exemplo sobre vida selvagem, pelo puro prazer de ver algo interessante e curioso. Gostaria que as pessoas apreciassem a matemática pelas suas próprias ideias e beleza natural, há uma tendência para o público em geral ver a matemática como algo puramente escolar e “institucional”.   




Como surgiu este “Ovo de Colombo” de fazer o melhor programa de matemática de sempre em Portugal?
A ideia original de criar um programa de televisão de matemática foi do actual Ministro Nuno Crato, foi ele que submeteu e obteve financiamento para este projecto. Quando me convidaram para escrever e apresentar o programa fiquei um pouco assustado: como agarrar um público tão generalista com matemática, e ainda por cima em blocos de cinco minutos? Originalmente o programa estava pensado para ser gravado na sua maior parte em estúdio, todo o orçamento estava pensado para isso, entretanto quando mostrei as minhas primeiras ideias à equipa da Sigma3, eles não tiveram dúvidas de que teria de ser gravado em exterior, não só porque este formato se adaptava melhor às minhas ideias mas também porque retiraria essa imagem “institucional” da matemática. Neste momento gravamos o programa em exteriores com um orçamento para interiores, o que só é possível com uma produtora tão talentosa como a Sigma3. No final o formato do programa acabou por ser  fruto de várias influências, de pessoas que se foram juntando ao projecto, em particular do Professor Manuel Ricou do IST, que acompanhou toda essa fase de dar forma ao programa. 

Quem faz o TPC (tipo de conteúdos, como gravar, as falas,...) do “Isto é Matemática”?
Normalmente começo por escolher um tema que acho que dará uma boa história. Depois de algum trabalho de pesquisa sobre o assunto e perceber qual a melhor abordagem, escrevo um pré-guião onde incluo muitas referências e deixo algumas propostas de apresentação desse material: essa é a nossa base de trabalho. Depois entra o Tiago da Cunha Caetano que tem uma imaginação infinita, embora não tenha formação em matemática, faz também a sua pesquisa para se inteirar do assunto e cria um guião televisivo propriamente dito. Depois ainda há um vai e vem entre mim e ele até chegarmos a uma versão final. Numa segunda fase, entram os produtores Nelson Patriarca e Pedro Dias, que geralmente ficam de cabelos em pé quando lêem o guião e percebem todos os locais e adereços que vão ter de marcar e encontrar. São eles que fazem acontecer as gravações... e não é fácil, por exemplo, arranjar um gato às pintas com o tronco às riscas para gravar em frente ao Jardim Zoológico (dentro é proibido). Neste momento andam à procura de uma tenda de circo. Quando vamos para gravações entra mais uma equipa de gente, em particular o Rui Pinedo, director de fotografia, Tiger Da Silva, realizador, a Gisela Correia, maquilhadora, todos eles têm de estar a par do que se pretende para que saia algo consistente. Finalmente o programa é editado pelo Tiago Mineiro que trabalha em conjunto com o Norberto Santos que trata dos grafismos, por último entra o Marco Almeida que faz a sonoplastia... E estas são só as pessoas mais regulares... dependendo do programa há mais uma série de gente que entra para trabalhar nas câmaras, assistência de produção, roupas, etc... 


O que tu tens, a equipa e o público em geral aprendido com o “Isto é Matemática”? 
Muitíssimo... Eu e o guionista Tiago da Cunha Caetano fizemos um pacto, eu ensinava-lhe tudo o que sabia de matemática e ele ensinava-me tudo o que sabe de televisão... A televisão é de facto um mundo muito diferente da matemática... A matemática é mais introversão, a televisão mais extroversão, na matemática é a inteligência racional que tem o papel principal, na televisão é a inteligência emocional que, na minha opinião, não é nada menos complexa e difícil de dominar...

Se Arquimedes visse o “Isto é Matemática” o que é ele acharia das soluções encontradas? Diria de novo: “Eureka, Eureka...”
Ficaria muito lisonjeado se Arquimedes gostasse do nosso programa... de qualquer forma creio que não “inventámos a pólvora”. Esta é só mais uma forma de apresentar a matemática, que se adapta a um público especifico e tem um objectivo concreto e limitado. É bom que divulgação e a transmissão do conhecimento matemático em geral, seja feita em vários formatos para que cada pessoa possa escolher aquela que melhor se adapta aos seus interesses e gostos. 

Já és uma “figura” pública. Uma expressão variável do que as pessoas te dizem na rua... 
Sim, já sou um pouco público... ainda assim bem longe do Justin Bieber... (risos) De qualquer forma quando me reconhecem na rua, vêm ter comigo simplesmente para dizer que gostam do programa, para dar alguma sugestão para um tema, para um episódio... ou para perguntar onde é que podem comprar a Gasosa Pitágoras... 

Isaac Newton referiu que “construímos muros demais e pontes de menos”. A matemática tem na sua “raiz” este “problema” porque...
Sim, é verdade que muitas vezes há alguns muros a mais... mas nada que um bom martelo não possa resolver... (risos) Mas tal como um grande muro é feito de pequenos tijolos, também tudo o que é complexo em matemática é feito de pequenas coisas simples... assim basta ir deitando um tijolo abaixo de cada vez... 


És responsável também pela Gazeta de Matemática da SPM que é...
É uma revista da Sociedade Portuguesa de Matemática e um meio de comunicação dirigido à comunidade matemática. Aqui são publicadas notícias, e pequenos artigos sobre matemática dirigidos a um público bastante geral...  

A Sociedade Portuguesa  de Matemática é...
Uma forma de associar a comunidade matemática portuguesa...

O “limite superior” do Rogério Martins para com a matemática passará por um “plano que intersecte”...
Só o tempo o dirá... O meu lema sempre foi: “É melhor gostares do que fazes do que fazeres o que gostas”. Claro que não podemos desistir de concretizar os nossos sonhos mas a verdade é que a maior parte das coisas que fazemos, caíram-nos no colo por acaso: se me dissessem há dois anos atrás que hoje iria estar a apresentar um programa de televisão eu não acreditaria. De qualquer forma, o meu futuro a médio prazo vai passar por voltar aos meus alunos e aos meus artigos... Claro que não descarto a possibilidade de me envolver num projecto de divulgação matemática mais generalista, ainda assim, agora é o tempo para avaliar o que já fizemos e perceber o que se pode fazer melhor...


Por Carlos Marinho


Entrevistado do mês de dezembro é...

    Clube de Matemática SPM




O clube spm entrevista mais uma figura pública. Quem será? Tem certamente a ver com a disciplina de matemática. Será uma grande surpresa. Um dos objetivos desta entrevistas é tentar perceber por onde anda a matemática, o que anda a fazer, o que faz pela nossa vida e...mais, será que estas personalidades gostavam ou não de matemática em criança? É bonito e importante tentar perceber algumas razões de se amar ou odiar esta disciplina. 


Dia 1 de dezembro, mês do Natal, esta será uma das prendas no nosso sapatinho. Até dia 1.


Já agora leia ou releia a entrevista de grande sucesso de novembro, que bateu recordes, com o empresário Duarte Champalimaud. Ler Aqui...

Publicado/editado: 01/12/2013