Intervalos por Fernando Pestana da Costa

Clube de Matemática SPM - Eixos de Opinião fevereiro de 2016



 


No ano em que a SPM faz 75 anos, este será um espaço onde a matemática vai ser o tema central todos os dias "uns" de cada mês. Intervalos será o título desta rubrica...                      

   

Fernando Pestana da Costa -  Presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática                       



Intervalos por Fernando Pestana da Costa (Presidente da SPM) - Dia 1

Clube de Matemática SPM - Eixos de Opinião fevereiro de 2016

 

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Título: As discussões de sempre?



A recente alteração da avaliação externa no Ensino Básico tem dado origem a um vasto conjunto de intervenções sobre o assunto em jornais e demais comunicação social. Eu próprio já refleti sobre o tema num recente artigo de opinião e não irei, aqui, repetir-me.


Mas toda esta discussão fez-me recordar um texto velhinho que no ano passado encontrei na internet, num site de antigos alunos do Liceu Nacional de Queluz (o meu liceu!). Intitula-se “Proposta – (aprovada em RGA de 22.2.75)” e começa assim:


“PARA QUE SERVEM OS EXAMES?

1- Para a burguesia (classe dominante nesta sociedade) controlar o acesso às Universidades (aspecto selectivo) impondo, assim, a cultura que vai servir e justificar a sua posição exploradora. Nesta sociedade, aqueles que são os mais “dotados” (como carneiros) para absorver essa cultura, aqueles que futuramente serão um instrumento de exploração e de dominação do povo pela burguesia, nas fábricas, nos campos, nas escolas etc., serão aqueles a quem será favorável aquele aspecto selectivo.”


Claro que em períodos politicamente conturbados, e 1975 foi certamente um ano conturbado, há muitas argumentações e tomadas de posição que, há distância de umas décadas, se tornam perfeitamente datadas. O texto referido, redigido há mais de quarenta anos por então jovens liceais, é, certamente, um desses. 


Mesmo em tempos genericamente calmos, muitos dos argumentos mais ou menos acalorados que surgem nas discussões do momento presente podem tornar-se, com o passar dos anos, tão datados como a citação acima. Outros argumentos permanecerão atuais. Sendo a previsão do futuro uma atividade arriscada, eu faço como um conhecido antigo jogador do Futebol Clube do Porto e não arrisco prognósticos antes do final do jogo. 


No entanto, não arriscar prever o que será datado e o que permanecerá atual em toda esta discussão à volta das avaliações externas, não me impede de expressar uns quantos desejos sobre a forma como estas questões deveriam ser, um dia, encaradas em Portugal. Antes de mais que o verdadeiro esforço fosse dedicado a promover o combate ao insucesso escolar e à melhoria das aprendizagens. Não com boas intenções ou com medidas administrativas que para promover o primeiro sacrifiquem o segundo ou vice-versa, mas com planos bem elaborados, com recursos materiais e humanos adequados, e com um prazo de atuação tão vasto quanto o que for necessário. 


E quanto à avaliação, sendo esta apenas uma das componentes do sistema de ensino, se bem que uma extremamente importante e com reflexos muito relevantes nas restantes, o desejo, meu e de muitos outros, é que Portugal se torne, um dia, num país em que as provas de avaliação externa (contanto com uma percentagem não nula para a classificação!) serão tão naturais como os testes “internos”; um país em que o natural nervosismo dos alunos face a um exame externo não será mais objeto de reportagens na comunicação social do que é o nervosismo de um pianista antes de um recital, de um cirurgião antes de uma operação, ou de um professor antes da sua primeira aula do ano (não há uma segunda oportunidade para causar uma boa primeira impressão!…); e um país em que todos os pais, professores, e estabelecimentos de ensino façam como já acontece atualmente com muitos: encarem serenamente a avaliação externa, com a certeza de que fizeram um trabalho sério e bem feito e que os resultados que os seus filhos ou alunos obterão será um exato reflexo disso mesmo. Os pais e professores são as pessoas menos egoístas que existem: ficam genuinamente felizes quando vêem que os seus filhos ou alunos conseguem ser melhores do que eles alguma vez foram e conseguem mostrar o que valem com desafios à altura.


E já agora, desejo também viver o suficiente para testemunhar tudo isto!


Publicado/editado: 01/02/2016