Intervalos por Fernando Pestana da Costa

Clube de Matemática SPM - Eixos de Opinião março de 2016



 


No ano em que a SPM faz 75 anos, este será um espaço onde a matemática vai ser o tema central todos os dias "uns" de cada mês. Intervalos será o título desta rubrica...                       

   

Fernando Pestana da Costa -  Presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática                        



Intervalos por Fernando Pestana da Costa (Presidente da SPM) - Comparações

Clube de Matemática SPM - Eixos de Opinião março de 2016

 

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Título: Comparações

Comparar é o que move o Mundo.


Literalmente, pois é a não uniformidade do campo gravítico e a capacidade dos corpos com massa, colocados num dado ponto do espaço, de “compararem” o potencial do campo em torno desse ponto e de se deslocarem no sentido onde o potencial do campo é menor, que faz com que haja movimento num campo gravítico e, em última análise, é o motor que faz com que o nosso planeta se mova em torno do Sol.


Noutras áreas, como na biologia ou na ecologia, é também um mecanismo de “comparação” de densidades locais (de moléculas químicas, de populações biológicas, etc.) que está na origem das dinâmicas a muitas escalas diferentes que, em conjunto, constitui a vida.


De facto, qualquer medição envolve comparar a coisa medida com algum padrão (a unidade) e foi exatamente a capacidade de proceder a comparações fiáveis e reprodutíveis que constituiu uma das contribuições mais importantes para o nascimento do espírito científico.


Mesmo nos aspetos da vida em sociedade os mecanismos de comparação estão, ou deveriam estar, sempre presentes, pois sem eles torna-se de facto impossível ajuizar da veracidade, da razoabilidade, ou da significância, de determinadas afirmações. Um caso paradigmático ocorre no discurso sobre o ensino, e sobre o ensino da matemática em particular.


Por exemplo, afirmar que um dado programa é muito exigente (ou pouco exigente) envolve, para além de saber o que significa para o interlocutor a palavra “exigente”, conhecer quais as comparações que estão subjacentes à afirmação.


Outro exemplo: entrar em alarmismo porque relativamente ao primeiro ano de implementação de um novo programa no Ensino Secundário (programa mais exigente, porque, relativamente ao que vigorava anteriormente, exige dos estudantes um maior rigor conceptual e proficiência de cálculo) diz-se existir um atraso de, digamos, três semanas relativamente ao planeado, não comparando este atraso com o que era usual ocorrer no programa antigo no mesmo ano de escolaridade e em análogas situações de transição em épocas passadas, é, na melhor das hipóteses, um exercício de reduzido interesse ou, na pior, uma tentativa de deturpação deliberada.


Ainda outro exemplo: afirmar que um dado programa é extensíssimo e comporta temas de outros níveis mais avançados de ensino envolve sempre a necessidade de comparação com outros programas: poderá parecer extenso e não o ser se a planificação aproveitar sinergias entre as suas diversas partes, poderá parecer extenso e ainda assim não cobrir assuntos tratados em programas para o mesmo nível de ensino usados em outros países com quem nos comparamos (por exemplo: o programa espanhol correspondente à nossa Matemática A contém, para além do cálculo integral, temas de Álgebra Linear que incluem a resolução de sistemas pela regra de Cramer e a eliminação de Gauss), poderá parecer extenso porque apenas individualiza tópicos que anteriormente estavam “escondidos” como temas transversais (os quais eram, de facto, muitas vezes ignorados na prática, como, no caso Português atual, sucedia com a Lógica Matemática no antigo programa de Matemática A).


No final, os pronunciamentos sobre programas, currículos e avaliações poderão até traduzir comparações à escala local, à escala do que se fazia antes e do que se tem de fazer agora, mas não ter em conta confrontações mais globais com o que de melhor se faz em toda esta aldeia global em que se transformou a Terra. Será um tipo possível de comparação. Mas serão comparações que não nos levarão muito longe: para avançar verdadeiramente é preciso não nos limitarmos a olhar em volta, mas a olhar mais além. É que, quanto a comparar comparações, todos sabemos que há umas melhores que outras!


Publicado/editado: 01/03/2016