Entrevistado do mês de Abril - O Músico Pedro Abrunhosa

Clube Entrevista
 
   

A Matemática e a Música têm uma esfera comum, uma melodia que as envolve todos os dias, com  séculos de história em conjunto. O nosso entrevistado Pedro Abrunhosa "toca-nos" a todos com as letras (poemas) que escreve e canta. Um dos excertos de uma das suas músicas faz lembrar a relação que as pessoas têm com a matemática quando diz "Sei que me vês, quando os teus olham me ignoram". Como o próprio refere "de costas voltadas não se vê o futuro", talvez por isso, "vamos fazer o que ainda não foi feito", uma entrevista diferente onde a matemática é música para os nossos ouvidos. Como pano de fundo um magnífico quadro oferecido pelo Eng. Paulo Teixeira Pinto  ao nosso entrevistado denominado "Teorema",  que empresta  ao local da entrevista uma atmosfera diferente, numa dimensão matemática que fez com que esta conversa  percorresse sempre um caminho entre o alvo e a seta. Existem entrevistas que duram um dia e, são boas. Outras duram um ano e, são melhores. Existem as que duram muitos anos e, são muito boas. Porém, existem entrevistas imprescindíveis de ler e, que podem ficar na memória para sempre. Pensamos ser esta uma dessas entrevistas. Em primeiro plano Pedro Abrunhosa no "Palco" do Clube de Matemática.

A sua infância foi um “momento” que recorda como?
A minha infância teve muitos momentos que continuo a recordar como uma época feliz. Muito marcada pela presença dos meus pais, eram pessoas de cultura, das letras. Nos meus tempos de infância tínhamos 4 meses de férias grandes, incluindo o mês de Setembro. Havia uma atmosfera diferente. Era importante esse tempo de descanso para as crianças, as aulas ao não começarem em Setembro, havia tempo para que os jovens assistissem à lavoura nos campos, para percebermos de onde vinham as beterrabas, as uvas e os rabanetes… e, eu estou de acordo com isso. A infância foi um bocado assim, passada três meses ao sol, na praia completamente em liberdade, e um mês na nossa casa na beira alta no Douro. Estive na apanha das batatas, andei nos carros de bois…

Lembra-se quando “encontrou a sua estrada” enquanto músico?
Muito cedo eu quis ser músico. Mas não houve um momento epifânico. Foi preciso muita vontade. Era uma altura que era muito difícil seguir a carreira de músico. No meu tempo havia ciências e letras. Nas primeiras a opção era ser engenheiro ou médico (ou matemático obviamente) e nas letras, podia-se ser advogado ou professor de história. Eu queria ser historiador ou arqueólogo. Mas o facto, de ter algum jeito para a música foi fatal. Não consegui libertar-me do piano de casa dos meus avós. Passava horas e horas a tocar piano.

Na música o Pedro domina todas as “variáveis”…
Não…Não. Eu acho que a música não é diferente de outra qualquer profissão. Uma profissão deve ser exercida com empenho e paixão. Por um lado, deve ter-se um conhecimento profundo da sua própria profissão. Dificilmente qualquer cientista poderia exercer a sua profissão na NASA, por exemplo, se estivesse só apaixonado e, não tivesse investido na sua formação enquanto jovem. Na minha profissão eu estou atento ao que se faz todos os dias, ao que se escreve, ao que se edita, o que se produz. Mas, também há que crescer. Teixeira de Pascoais dizia, “nós somos todas as “cousas” que vimos e as pessoas com que falamos”. Tudo isto faz parte de uma aprendizagem. Não é dominar as variáveis, é… gostar do que faço. Interesso-me pelo que faço. Isto é ser músico. Claro que há outra maneira de ser músico, que passa por ter um site na internet e concorrer a um programa de televisão de famosos. Mas não é isto que faz das pessoas músicos.

“O caminho se faz entre o alvo e a seta” (Pedro Abrunhosa) e “Pedras no caminho? Guardo-as todas, um dia vou construir um castelo” (Fernando Pessoa). Encontra semelhanças nestas frases em relação à sua carreira enquanto músico?
As coisas devem ser conquistadas ou perdem o seu valor. A frase de Fernando Pessoa conheço muito bem. Uma das maneiras de evoluir é transformar os obstáculos em degraus. Cada vez que é preciso ultrapassar um obstáculo ele está transformado num degrau que nos leva para qualquer coisa. Nesse sentido o caminho faz-se entre o alvo e a seta. Não é um processo contrário. Eu tenho uma seta e vou atingir o alvo. Conhecer o alvo e ir, conquistando caminhos. Claro que se um dia atingirmos o alvo é o dia do juízo final, se o houver.

A matemática foi no passado um dos seus “fantasmas”?
Não…Não. Pelo contrário, sempre me ajudou muito na música. Gostava muito de matemática, era um bom aluno. Não tinha dificuldades a matemática e, contínuo a não ter. Agora, na qualidade de pai tenho de estudar com o meu filho. Sobretudo, agora que as coisas são muito mais simples. Gosto muito da matemática por ser uma ciência abstracta.
A matemática tem muitas semelhanças com a música. A ligação óbvia entre a matemática e a música começa pelo comprimento da corda e o som que produz. Isto é fundamental. Mais, tem a ver com o comprimento do tubo e o som que produz. Na música só se produz aquele som num objecto físico com um determinado comprimento e, aquele comprimento medido em nano-milímetros vai produzir uma nota musical. E todas as outras relacionadas com aquela tem a ver com cada nano-mílimetro que se acrescenta. Para além disso, a matemática tem uma linguagem própria tal como a música. Pode ser desenvolvida no abstracto, enquanto estamos a dormir ou num estado de vigília na cama deitados ou numa praia, podemos desenvolver grandes teorias.

O Matemático alemão Gottfried Leibniz referiu que “a música é um exercício inconsciente de cálculos” ("Musica est exercitium arithmeticæ occultum nescientis se numerare animi"). Alguma vez tinha pensado nisso?
Com um piano era mais fácil explicar. Não pode existir música sem um suporte físico que produz um determinado som musical tem de ser feito com um rigor matemático absoluto. Senão, não produz o som desejado e, vai produzir outro som. As relações entre as notas são todas elas relações matemáticas. Pitágoras fez o seguinte exercício, estendeu uma corda de tripa de porco de 2 metros e, prendeu-a e esticou-a em dois pontos distintos (de uma forma muito tensa) que ainda se hoje se usam nos contra-baixos. A corda produz um som grave pelo grande comprimento de 2 metros. Como é evidente. Quanto mais longa a corda maior é o comprimento de onda. É proporcional ao comprimento da corda. Quando ele intersecta a corda a meio, faz com que metade da corda vibre, quando coloca um ponto de apoio a meio da corda, o resultado é que a metade da corda vai produzir um som que é a oitava acima do som original. Se ele intersecta um quarto da corda ele vai produzir 2 oitavas acima do original. E por aí fora. A partir de certa altura a questão é que cada milímetro que ele afasta o dedo já se começa a ter relações matemáticas muito complexas. Pitágoras descobre isso, que a produção de som pode ser plasmada através de uma equação matemática, mas o contrário pode ser verdade também. Uma equação matemática pode ter um som e, isso é que é extraordinário. A música na Grécia já era altamente desenvolvida. Os instrumentos gregos eram altamente desenvolvidos. São os gregos que inventam as escalas tal como nós a conhecemos. Tal como o teatro grego, a arquitectura, a matemática ou a música eram muito desenvolvidas.

O “Tempo” de 1997 está “Longe” de 2010?
Tudo muda. Como a nossa pele mudou, temos mais rugas. Tudo muda e, a música também amadurece. E ai daquele, que fica a contemplar a sua obra. Dou muitas vezes este exemplo, a insatisfação do cientista é igual à do criador. No momento que o criador considera que o seu trabalho está cumprido, então cumpriu o seu papel, pode desaparecer. Esta inquietação revela que ao longo dos tempos vai havendo evolução e, como no caso do investigador não lhe chega ficar sempre no mesmo caso, precisa de avançar para outro problema.

A “intimidade” de 2005 é uma “incógnita” por descobrir?
Tenho sido muito austero em mostrar a minha vida pessoal. Prefiro mostrar a minha vida profissional. É uma incógnita porque estabeleço uma relação muito íntima com a música e, essa relação está sempre a ser surpreendida por mim próprio. Eu gosto do sentido da incógnita, como uma expressão, uma equação, isto mais isto e, depois mais isto, como estamos a fazer neste momento, é igual a x. Essa é a grande questão que se coloca. Chegamos ao fim do disco e o resultado é igual a y.

Desde 1994 já leva 17 anos de “Viagens”…
Em 1994 eu já levava outros 17. Porquê? Tinha começado com 16 anos. As viagens começam em 1994 em disco. Há a tendência em Portugal em se contar a carreira quando se edita. E a carreira não começa aí. Esse título não é inocente. Desde os meus 13 anos que eu viajei fisicamente para muitos lugares. Comecei a viajar sozinho com 13 anos, durante um mês, na Suíça. Na altura era uma grande coisa. Aos 14 viajo de comboio e, aos 15 faço o meu primeiro inter-rail. Dos 15 aos 33 para além de estudar e, de ser bom aluno, ter boas notas e, fazer dois meses de férias a viajar, conheci o mundo. Descobri-me viajando sozinho. Fiz coisas que os miúdos não fazem ou deixaram de fazer, só jogam play-station ou vão todos em grupo para Varadero, corri o mundo a pé, toquei no metro de Moscovo e de Viena de Áustria, por exemplo, conheci países e culturas. Foi isso que eu escrevi nesse disco. Agora existe Mc´Donalds em todo o lado. A tendência em Portugal é contar carreira a partir da obra, mas existe carreira antes da obra. Sobretudo há a tendência de editar rapidamente. E, isso é um perigo. Porque para se escrever um romance é preciso vivê-lo. Para escrever um disco com a dimensão de Viagens é preciso vivê-lo. Não quis editar antes, porque não estava nem preparado, nem sou grande fã da pressa e, sou avesso à mediocridade.

Cinquenta (50) é um número par, tem dois divisores primos, é um múltiplo de 10. É também a sua idade “F” da fama?
Não. Eu sou um profissional da música como o Carlos é um profissional da matemática. Se um dia nós passearmos por aí, vai ver… que a fama é…imagine se eu fosse trabalhador de esgotos do Porto, era a minha profissão. No final do dia vinha a cheirar mal, a fama é a mesma coisa, a fama é o resultado do trabalho, não quer dizer que seja bom. Temos de viver com ela. Eu não me dou bem com a fama. Acho até uma inutilidade. Ainda por cima, agora existe o culto da fama, tudo quer ser famoso. Não sei para quê? Numa sociedade em que tudo é igual, ser um pouco diferente é capaz de ser uma vantagem. O problema é quando os que querem ser famosos mas sendo mais iguais que os iguais. 

As “experiências” como actor e escritor foram “curvas fechadas” ou pelo contrário são “estradas infinitas”?
Mais uma vez eu sou muito cauteloso. A minha área é a música. Tudo o que deriva daí, tem de ser muito bem feito, com muito cuidado. Escrevo, faço crónicas, continuo a escrever. Como actor, trabalhar com o Manuel de Oliveira e, ficará no meu currículo para sempre, mas não é a minha área.

Afinal de “contas” a música pode ser …”vamos fazer o que ainda não foi feito”.
Ainda hoje falava com o meu agente, sobre os vários concertos que temos, numa digressão muito grande. O disco tem um ano e, eu preciso me libertar dele. Estou numa fase de investigação para editar a próxima teoria/equação/fórmula.

Quando sai o novo álbum?
Os meus álbuns só saem quando estão prontos.

Por Carlos Marinho

 

 

                                                              Quadro de Paulo Teixeira Pinto denominado por "Teorema"

Publicado/editado: 01/04/2011