Entrevista a Manuel Serrão - Empresário

Entrevista a Manuel Serrão - Empresário

   
 

Manuel Serrão nasceu na cidade do Porto em 1959, licenciado em Direito na capital de Portugal, é actualmente empresário no mundo da moda. O nosso convidado é uma voz forte do norte, onde defende sempre a imagem da sua cidade e do clube do coração, o F. C. Porto. Como o escritor Mário Cláudio refere no livro "Meu Porto" dizendo  "O Porto nasce e morre connosco, igual ao mais insatisfeito de quantos nos visitaram. Quer isto dizer que não se esgota em topónimos, nem em cheiros ou paladares, nem em anedotas ou falas...". Se o Porto tivesse de eleger um seu embaixador certamente esta escolha cairia que nem uma luva no nosso convidado que, ainda por cima, apresenta uma cultura e conhecimentos matemáticos acima da média. 


O que nos pode contar da sua infância?   

Foi uma infância normal, passada essencialmente no Porto. Tive dois anos em Lisboa uma vez que o meu pai foi mobilizado para Angola. Fiquei com um tio/padrinho que vivia em Lisboa. Esses dois anos foram um período negro (estou a brincar) …vamos colocar entre parênteses, já que estamos aqui numa linguagem matemática. Os meus pais viviam numa rua que parecia que não tinha fim, não passavam autocarros, brincávamos na rua, jogávamos à bola. A escola era a da Azenha, curiosamente ia a pé de casa. Para o Liceu também ia a pé directo, coisa que hoje em dia é impossível com a quantidade de carros que existem. Não consigo contá-los todos, mas digamos os carros de hoje é como uma função exponencial em relação aos que existiam antes. Hoje as crianças vão para escola porque a mamã, o pai, o avô leva. Essencialmente jogava futebol e andava de bicicleta, não passava o dia enfiado em casa a jogar play-station, não mexia os dedos só, mexia o corpo todo e, este facto de mexer o corpo todo ajudou-me.


Que diferenças vê entre a escola/educação do seu tempo para os dias de hoje?

Por um lado aparentemente parece que a vida está mais facilitada, mas não sei se assim a vida não se torna mais difícil. As ferramentas que a escola me deu, a prática, o treino, desde a primária até à faculdade foram muito úteis para alturas difíceis. Estamos a preparar uma geração para uma vida mais fácil, mais desafogada, uma vida menos stressada, mas estão a ser enganados uma vez que o que os espera é uma vida mais stressada do que aquela que tivemos nos últimos vinte anos.


A licenciatura em Direito foi em Lisboa...

Porque na altura em que estudei não havia nenhum curso de direito no Porto. Tinha de ser em Lisboa ou Coimbra. Foi um sacrifício ir para Lisboa, posso dizer que não gostei de Lisboa em si. Fiquei, no entanto, com a ideia desde essa época que Lisboa é um bom sítio para passar férias, para estar lá descansado. O que gostei foi da camaradagem do colégio, onde tinha 160 colegas por ano, onde acabei por conhecer muita gente que tinham algo em comum, o de serem todos fora de Lisboa. Era uma verdadeira ilha, uma espécie uma aldeia do Astérix, dentro de Lisboa e, todos nós gostávamos muito isso.


A advocacia nunca foi uma das suas prioridades. Porquê?

A minha disciplina preferida no liceu era matemática. Tive matemática até ao sétimo ano. Escolhi o direito porque na altura meti-me na política na juventude centrista, o curso da política era o direito. O meu pai na altura explicou-me que uma coisa era a política, outra era o curso. Primeiro deveria acabar o curso e, depois de o finalizar podia escolher. Afastei-me completamente da política e, á medida que fui fazendo o curso entre conversas com colegas de outro curso (relativamente novo) que era o de gestão de empresas apercebi-me ao segundo ano que era esse o curso que deveria ter seguido. Na altura os dois cursos tinham muitas cadeiras em comum. Se fizesse mais um ano licenciava-me igualmente no curso de gestão de empresas. Na altura com o meu a pagar não tive coragem para lhe pedir mais esse esforço. Mas fiquei satisfeito. Atenção não segui a carreira da advocacia, mas os conhecimentos adquiridos no curso de direito estão a ser muito importantes na minha vida.


O programa noite da má-língua marcou a televisão em Portugal. Depois destes anos do que acha que motivou tanto sucesso?

Na altura foi muito importante porque foi primeira vez que os portugueses puderam ouvir (apesar de estarmos já em plena democracia há vinte anos) conversas dessacralizadas sobre políticos e o governo. Podia se gozar com os gordos, os feios, os bonitos, amarelos, havia uma classe em Portugal com quem não se podia fazer humor. Com uma vantagem, que nos foi colocada na altura pelo Emídio Rangel, quando nos disse que aquele não era um programa de investigação, podíamos andar no fio da navalha mas só comentar ou falar de assuntos que fossem públicos. Primeiro para que as pessoas percebessem, soubessem do que estavamos a falar. Apenas comentário. Era a nossa opinião. Essa regra, por incrível que pareça, fez com que ao longo de 3 anos não tivéssemos um único processo. Porque na altura era moda. Não inventámos nada, não criámos nenhum facto novo, não mentimos, só comentamos assuntos que eram públicos. Era o que mais faltava que vinte anos depois do 25 de Abril não houvesse direito a fazer comentários a factos públicos.


Fazer  televisão  é um gosto…

A apresentação do programa era feita pela Júlia Pinheiro, lembro-me na altura que eles queriam assinar um contrato comigo. Era eu, o Miguel Esteves Cardoso, o José Fonseca e Costa e o Alberto Pimenta. Na primeira reunião peguei-me de tal maneira com o José Fonseca e Costa, que ele foi ter com o Emídio Rangel exigir que era ele ou eu. Fiquei eu. Nunca mais falamos. Começou logo assim só na primeira reunião. Foi uma loucura saudável. Eles queriam assinar um contrato comigo que rejeitei, uma vez que não tinha experiência em televisão, não sei se iria gostar de me ver. Fizemos o acordo verbal, não fizemos contrato escrito. O que lhes disse foi “no dia que eu quiser sair ou no dia que queiram que eu saia, eu saio”. Não assinei contrato nenhum. Estive 5 anos seguidos, 3 na má-língua, 2 nos donos da bola, 1 nas cantigas de maldizer com a Teresa Guilherme. Foram 5 anos seguidos todas as semanas. Fiz várias coisas. Neste momento estou no TVI24 com o Fernando Seara e Eduardo Barroso a comentar futebol.


A sua actividade principal passa pela moda. O que faz concretamente?

Passa pela moda, mas aproveito para esclarecer que há muita gente que pensa que tenho marcas de roupa, vendo roupa mas só compro roupa. Além de organizar muitos desfiles e eventos ligadas à moda, a minha actividade principal, faz este ano 20 anos, é uma associação sem fins lucrativos do ramo associativo e empresarial, detida pelo ATP, fabricantes de têxteis e vestuário e pela AMI, fabricantes de lanifícios, que nestes anos todos organiza projectos para promover as empresas têxteis fora do país. Para ter uma ideia, nós temos o projecto Qren, segundo no país, em 2011, vamos estar em 65 feiras em 27 países com 120 empresas do ramo têxtil, confecção em países como Espanha e França mas em países menos tradicionais como a China, Angola, Argentina entre outros.


Na matemática “inventam-se” fórmulas para tudo. E no mundo da moda?

Há quem diga que no mundo da moda já está tudo inventado. A fórmula que havia antes por país, tipo moda francesa, moda portuguesa com a globalização isso acabou. Agora há tendências de moda. Hoje existem estilistas e manequins de diversos pontos do mundo. Há tendências de moda internacionais.


O F.C. Porto está na moda...

O Porto está na moda desde mais ou menos que me liguei á moda. Há 30 anos a esta parte está na moda dos que ganham. Também há a moda dos que perdem. O Sporting adquiriu a moda de perder. O Porto ganha títulos. É uma moda boa no futebol.


E quando Pinto da Costa passar de moda como vai ser?

Ele nunca vai passar de moda. Haverá um dia, que tal, como todos nós, deixará de trabalhar, ele tem sido claro nesse aspecto que quando não tiver capacidades que se retira. Espero que essa decisão seja mais tarde possível. Mas claro, nos 3 principais clubes a diferença está no tipo de gestão, a direcção, a liderança. Enquanto nos últimos 30 anos o Porto teve 1 Presidente, o Benfica teve, não sei, uns 12, o Sporting uns 15.


Comente. “A matemática tem muitos problemas”. “O Manuel é um grande defensor do norte e da cidade do Porto”. Quer rivalizar com a matemática?

Não, não. Do que me lembro sempre tive uma boa relação com a matemática. Sempre fiz muitas contas de cabeça desde miúdo. Nunca tive problemas pessoais. Por ser conhecido, a parte pior é a perda da privacidade. Vou dar um exemplo, organizei pela 1ª vez desfile Sintra Fashion, o Presidente da Câmara é um benfiquista, Fernando Seara e, não foi por causa de ser do Porto que ele não reconheceu que eu e a minha empresa não éramos os mais habilitados para fazer aquele evento. Agora é como na matemática, também existem problemas que não se resolvem, há uma equação que eu não sei responder. Então e aquelas pessoas que me prejudicaram e, eu nunca soube, sem que houvesse um sinal exterior.


Um número que gosta é o 5416 de sócio do Porto. Este número é divisível por...

Por 1. O número que eu mais gosto ligado ao Porto é o 1. É o primeiro, é o lugar que deve estar mais vezes.


Gostava de matemática na escola?

Muito. Sempre adorei as contas. A parte da matemática que eu mais gostava era a lógica. O único 20 que tirei na vida foi a lógica no 6º ano. Tinha colegas que a matemática para eles era chinês. Não percebiam nada. Eu não tinha jeito nenhum para desenho ou trabalho manuais. Nada. Curiosamente, quando entrei nas derivadas, foi a única coisa que me fez derivar um bocadinho. Não sei porquê foi uma matéria que tive mais dificuldade.


Pode descrever algum momento na escola que a matemática o tenha marcado?

Em criança fazia muitas contas de cabeça e era um orgulho. Respondia com muita facilidade. Era um orgulho. O menos feliz foi o das derivadas.


Acha que de alguma maneira a matemática é importante na actividade que desenvolve?

Acho que sim. Mesmo para o curso de direito. A matemática e a lógica tem muito a ver com direito. Desde que me tornei empresário, tenho de lidar com números e com contas. O facto de não ter formação em contabilidade, mas como treinei muito o raciocínio permiti-me discutir com especialistas. A matemática é muito útil em toda a vida, não são só as contas, mas o treino de raciocínio que ela nos dá e, uso-a todos os dias, mesmo inconscientemente.


Quem é que está fora de moda, por outras palavras quem ou o quê ficavam fora do desfile?

A Troika. Esta ideia da Europa. Estamos outra vez com a mania como aconteceu com o professor Cavaco que vamos ser os melhores da Europa. Não precisamos de ser como os gregos mas também não precisamos de ser os melhores da Europa. A adesão à União europeia foi boa em determinados coisas mas fomos obrigados a perder muitas coisas. A nossa competitividade de indústrias como o têxtil e o calçado foram prejudicados pela União Europeia. Houve também muitos prejuízos nessa adesão. A transformação do escudo em euros foi muito prejudicial. Foi um prejuízo catastrófico. Acho que é mau corrigir todas as asneiras em 2 ou 3 anos. Acho que o que está fora de moda, não só a Troika, mas quem quer ser mais papista que a troika.


Afinal de “contas” depois desta entrevista a matemática está na moda?

Está sempre na moda, tem de estar na moda. Acho bem que se fale cada vez mais na matemática. Aquela reacção preguiçosa dos alunos que dizem que os exames foram difíceis, é um acto negativista, não só na matemática, essa atitude fica para o resto da vida. Que seja a matemática a dar o exemplo desde pequenino, que é preciso ser rigoroso, que é preciso fazer contas, que é preciso ter cabeça no lugar, que é preciso trabalhar. O segredo da vida é este.



Publicado/editado: 01/10/2011