Entrevista com Hélio Loureiro

entrevista com hélio Loureiro

 

   

Hélio Loureiro é o nosso convidado para a entrevista mensal do Clube de Matemática. Com um currículo invejável na gastronomia, actualmente chefia a cozinha do Porto Palácio Hotel e apresenta o programa de culinária semanal “Gostos e Sabores” na RTP N, em que dá a conhecer as ementas favoritas de figuras públicas e a gastronomia de Portugal e do mundo. É também o responsável gastronómico da Selecção Nacional Portuguesa de Futebol e foi já distinguido com vários prémios, em particular duas comendas da Casa Real Portuguesa e a distinção da Presidência da República. Com um ingrediente especial e diferente, a matemática, Chefe Hélio Loureiro “cozinha” uma entrevista exclusiva.


Quando e como começou a gostar de cozinhar?

Desde os meus seis, sete anos. Lembro-me de estar na cozinha em 1976, com os meus 13 anos, quando saíram os livros da teleculinária. Esse foi o momento em que despertei para a cozinha. Comecei a cozinhar de uma forma contínua a partir dessa altura. Depois fiz a Escola de Hotelaria no Porto. Fiquei com formação em Cozinha/Pastelaria. Foi aí que iniciei a minha vida profissional.


Portugal é um país de “Gostos e Sabores”?

É um país pequeno mas tem uma grande diversidade, não só cultural e etnográfica, e isso retrata-se muito na gastronomia. A gastronomia é o reflexo dessa etnografia, da geografia, do local onde nos encontramos, da própria religiosidade das pessoas, se são cristãos ou judaico-cristãos ou descendentes de árabes. Depois temos uma diversidade muito grande: às vezes de aldeia para aldeia mudam pequenas coisas na gastronomia, mas os resultados finais são completamente diferentes. Um pequeno ingrediente faz a diferença. Por exemplo, uma receita que é muito conhecida como o cozido à portuguesa tem mais de 60 receitas.


Quando era mais jovem gostava de matemática?

Gostava de matemática, mas infelizmente aconteceu uma coisa terrível. Tive um professor de Matemática no 7.º ano de escolaridade que era um péssimo comunicador. Quando se comunica mal não se consegue que alguém goste seja do que for, seja de Português ou de História. Na altura tive um belíssimo professor de Português de quem gostei muito. Ainda hoje continuo a ter um grande interesse por História, mas comecei a ficar manco a Matemática a partir daí. Esse facto fez com que a Matemática de 8.º ano fosse mais complicada. Retomei a disciplina na Escola de Hotelaria e, aí sim, aliada à parte prática, foi interessante, despertando o meu interesse.


Um Problema Matemático: Um quinto de um quilo de farinha. De quantos gramas se está a falar?

Duzentos gramas.


O cozinheiro é como o matemático, se se engana na fórmula, fica o caldo entornado. Concorda?

Acho que sim. Mais na pastelaria do que na parte da cozinha. A quantidade dos produtos é tão importante que 10 gramas a mais ou a menos podem comprometer definitivamente ou destruir completamente uma receita. O mesmo se aplica à temperatura do forno ou mesmo ao bater-se um determinado produto. Existe um escrito do século XIX que diz que “fazer um soufflé tem mais ciência do que a técnica da ilustração”. O soufflé tem três técnicas importantes, a saber: os ingredientes, depois a quantidade e, finalmente, o tempo de forno. Matematicamente falando, tem de ser rigoroso, não pode ter mais ou menos 20 minutos ou farinha a mais ou a menos.


Aristóteles um dia disse “Somos aquilo que fazemos repetidamente”. A cozinha parte deste princípio?

É preciso repetir até à exaustão, até atingirmos aquilo que pretendemos. Quando fazemos as coisas repetidas vezes chegamos à perfeição da receita. E depois existe uma parte emocional. Por exemplo, em França chegavam ao pormenor de ter sempre a mesma temperatura da sala, do forno, da água que é colocada dentro do pão, a mesma humidade da farinha, a temperatura. Aí o pão sai rigorosamente igual.


A sua profissão requer que faça muitas contas, usa muita aritmética, muito cálculo?

Uso sobretudo quando estamos falar de uma receita para quatro pessoas que tem de ser multiplicada para um banquete com 400. E nesses casos, não é só o raciocínio de multiplicar, mas também aquilo a que se chama a poupança em grande escala. Quanto maior for a escala, maior pode ser o desperdício ou a poupança. Um exemplo muito simples: se eu fizer 10 quilos de marmelada num tacho, isso tem um menor rendimento do que se fizer cinco quilos em duas vezes. Não me pergunte porquê. Cientificamente falando, não tenho a mínima ideia de porque isto acontece. Mas sei que é rigorosamente verdade, porque já o fiz várias vezes. Se fizer doce de tomate, com cinco quilos de tomate e cinco quilos de açúcar, obtenho 10 frascos. Se usar 10 quilos de tomate no mesmo tacho, encho menos três frascos (apenas sete). É uma coisa muito curiosa.


Qual a receita para o sucesso na culinária?

O Einstein dizia que só há um sítio em que a sorte vem primeiro do que o trabalho, que é o dicionário. Só com o trabalho é que consegue ter sucesso.

 

“A imaginação é mais importante que o saber” (Albert Einstein). E na cozinha?

Existem duas componentes nesta área das artes que é necessário dominar: uma é a parte técnica e a outra é a imaginação. Por exemplo, para pintar eu tenho de ter conhecimento técnico. A seguir vem a imaginação e, consequentemente, podemos evoluir.


É responsável gastronómico na Selecção Nacional de Futebol e foi agraciado pelo Presidente da República. Foi a cereja no topo do bolo na sua carreira profissional?

A cereja no topo do bolo não tem a ver com aquilo que recebemos. Eu sou monárquico, para mim valem mais as duas comendas que tenho da Casa Real Portuguesa do que propriamente a da Presidência da República. Tenho contudo um grande orgulho e vaidade por ter sido distinguido pelo Senhor Presidente da República. A cereja em cima do bolo é todos os dias quando os clientes gostam, repetem e voltam aqui.


Parece o José Mourinho quando refere que prefere ganhar o próximo jogo do que ter todos os prémios individuais…

É um bocado isso. Perguntam-me muitas vezes se eu gosto de ser conhecido. Eu respondo que não gosto de ser conhecido, gosto é de ser reconhecido. O reconhecimento é diferente de se ser conhecido. Uma pessoa dá um tiro a outra e fica conhecida.


Napoleão Bonaparte disse “Um exército avança de acordo com o seu estômago”. Quer comentar?

O Napoleão Bonaparte tinha sentido de humor, dizia que “o champanhe nas vitórias é merecido, nas derrotas é necessário”. Ele usava muitos destes trocadilhos. Ele nunca levava cozinheiros consigo. Apenas levava o seu cozinheiro pessoal, Antonin Carême. Muitas vezes cozinhava cinco, seis vezes e ele nunca ia comer, porque se esquecia. Ele tinha também um problema grave de estômago, daí que quando era retratado colocava a mão direita sobre o estômago. Napoleão não alimentava o seu exército. Eles tinham de pilhar e de roubar para conseguirem comer. Aliás, a primeira invasão a Portugal é perdida pela fome. Quando Napoleão faz a invasão, entrando por Trás-os-Montes, as pessoas vão recuando, levando consigo toda a comida. Quando as tropas chegam mais ou menos a meio do País estão esfomeadas. Não conseguiram andar muito mais.


Complete: “Para se ser um grande cozinheiro o ingrediente principal é…

Trabalho.


Por Carlos Marinho