Os números naturais (juntamente com o 0) não bastam para
representar todas as quantidades numéricas que se usam no dia-a-dia. Mesmo que
não tenhamos necessidade de falar de quantidades negativas, ainda há valores
numéricos (metade ou três quartos, por exemplo) que não correspondem nem a 0
nem a um número natural. Foi para lidar com este problema que várias culturas
antigas criaram as fracções. Mas a maneira mais frequente de se representarem
quantidades não inteiras é através de números decimais. Por exemplo, embora
faça sentido falar-se em 3/4€ (ou seja, três quartos de um euro), a maneira
usual de representar esta quantia é 0,75€.
Os números decimais são, de facto, bastante mais recentes
que as fracções. O texto mais antigo conhecido que lida com tais números foi
escrito em Damasco no séc. X e os números decimais foram empregues por
diversos matemáticos árabes até ao séc. XV. Mas só foram introduzidos na
Europa em 1585, no livro A décima, do
engenheiro flamengo Simon Stevin. De facto, a notação de Stevin era um tanto
pesada e difícil de usar. Veio a ser simplificada por John Neper, que é mais
conhecido por ser o inventor dos logaritmos.
Aquilo a que estamos a chamar números decimais são números
que se representam por uma sequência finita de algarismos com, eventualmente,
uma vírgula entre dois deles. Repare-se que os números decimais são sempre
representáveis por uma fracção. Por exemplo, 0,75 = 75/100 (= 3/4)
e 3,125 = 3125/1000 (= 25/8). Mas nem todas as fracções são
representáveis por um número decimal! Por exemplo, nenhum número decimal
corresponde a 1/3. Se quisermos representar 1/3 por algo do tipo de um número
decimal, teremos de o representar como 0,33333333…, querendo isto dizer que o
algarismo 3 surge uma infinidade de vezes.
Mas então, porque é que os números decimais substituíram as
fracções num grande número de aplicações da Matemática? Há vários motivos para
isso.
- As
operações aritméticas são mais fáceis de efectuar com números decimais do que
com fracções. No caso da multiplicação, a diferença é pequena: multiplicar duas
fracções é o mesmo que fazer duas multiplicações de números inteiros, enquanto
que multiplicar dois números decimais é o mesmo que fazer uma multiplicação de números naturais e saber-se depois onde colocar
a vírgula. Mas no caso da adição a vantagem de se trabalhar com números
decimais fica clara: para somar duas fracções (com denominadores distintos), é
preciso fazer três multiplicações de números naturais e ainda uma adição
(porque a/b + c/d = (ad + bc)/(bd)), mas para somar dois números
decimais basta somar dois números naturais e, depois, mais uma vez, saber onde
colocar a vírgula.
- A
grande vantagem do uso de números decimais relativamente às fracções está na
facilidade em comparar dois números. Qual é maior, 22/7 ou 355/113? É preciso fazer
alguns cálculos para responder a esta pergunta. E qual é maior, 3,14286 ou
3,14159? É o primeiro, claro!
Por estes motivos, os números decimais prestam-se muito mais
ao uso da Matemática na vida corrente do que as fracções. Além disso, num mundo
onde não há medidas exactas (nenhum quadrado tem exactamente um metro de lado…) os números decimais prestam um bom
serviço quando nos bastam valores aproximados. Qual é a velocidade da luz no
vazio? É cerca de 300.000 quilómetros por segundo. E não se pode ser mais
preciso? Bom é cerca de 299.792 quilómetros por segundo. E com mais precisão?
Então a velocidade da luz no vazio é de 299.792,4 quilómetros por segundo. E
por aí adiante. À medida que queremos mais precisão, vamos acrescentando (se
soubermos) mais casas decimais a seguir à vírgula. Aliás, por este motivo os
números decimais levam naturalmente a unidades de medida nas quais cada unidade
é dividida em dez sub-unidades, em que cada uma destas é novamente dividida em dez
sub-unidades e assim sucessivamente. O próprio Stevin apercebeu-se disso e
advogou essa ideia. Dois séculos mais tarde, o sistema métrico era introduzido
em França.
Este é um exemplo de uma situação na qual menos é mais. Ao passar-se das fracções
para os números decimais, passamos a ter menos números à nossa disposição mas,
em contrapartida, a facilidade em trabalhar com esses números aumenta de tal
modo que, em muitas situações, compensa fazer-se a transição.