(U)Ma Temática Elementar José Carlos Santos

Clube de Matemática da spm

 




A Matemática elementar tem muito que se lhe diga. Embora nos seja familiar, é sempre possível encará-la de um ponto de vista novo ou inesperado.     

José Carlos Santos - Departamento de Matemática da FCUP

            


Artigo de abril de 2013

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Título: Números negativos

O conceito de número negativo é relativamente recente e evoluiu muito lentamente. Com efeito, embora muitas culturas antigas já trabalhassem sem dificuldade com quantidades fraccionárias e com raízes quadradas e cúbicas de tais números, as quantidades negativas levaram bastante tempo até serem aceites. O texto mais antigo que se conhece que os aborda é chinês: são os Nove capítulos da arte da Matemática, que foi escrito nos dois primeiros séculos da nossa era. A notação empregue para distinguir quantidades positivas de negativas nesse texto consistia em representar os números positivos a vermelho e os negativos a preto. Curiosamente, esta convenção era a oposta daquela que viria a ser adoptada no Ocidente séculos mais tarde e que viria dar origem a expressões como «contas no vermelho».

Um passo em frente foi dado no Índia, por volta do século VII. O matemático e astrónomo Brahmagupta não só usou números negativos como explicou como fazer cálculos com eles. O texto de Brahmagupta explicava que os números negativos podiam ser interpretados como dívidas, o que facilitava a sua compreensão. Apesar disso, quando a matemática indiana começou a ser divulgada no mundo árabe, os números negativos não foram aceites.

É frequente na história da Matemática que um conceito novo surja por causa das suas aplicações práticas e não por considerações teóricas. Foi o caso dos números negativos. O uso de quantidades negativas para representar dívidas levou à sua aceitação, embora muito lentamente. Mas, por influência da Matemática grega, os números foram, durante muito tempo, vistos sobretudo como representando quantidades geométricas (comprimentos, áreas, etc.) e, portanto, números negativos não faziam sentido.

A partir dos séculos XVI e XVII as coisas foram mudando lentamente na Europa. Vários matemáticos começaram a trabalhar com números negativos, mas outros rejeitaram-nos. Por exemplo, François Viète, que foi quem introduziu o uso de letras no lugar dos números, não os aceitava. Pascal também os encarava como desprovidos de sentido. A relação entre os números negativos e os restantes números foi muito discutida até ao século XVIII. Por estranho que possa parecer hoje em dia, vários matemáticos (incluindo Euler) defenderam que os números negativos são, não menores do que 0, mas sim maiores do que infinito!

Por fim, os números negativos, bem como as operações aritméticas com eles, foram aceites e, como é usual acontecer, algumas das propriedades dos números positivos mantêm-se para os números positivos e negativos juntos, mas outras não; por exemplo, se a e b são positivos e se a < b, então 1/a > 1/b, mas isto não é verdade se a for negativo e b for positivo.


Publicado/editado: 21/04/2013