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Distâncias (quase) infinitamente grandes e distâncias (quase) infinitamente pequenas estão intrinsecamente relacionadas no Universo de que fazemos parte e que aos poucos vamos tentando conhecer melhor. Nesta rubrica escreverei algumas palavras, e números (!), sobre o Universo que vemos quando olhamos para um céu estrelado numa noite límpida. Uma modesta contribuição para ajudar a reflectir sobre a nossa posição no contexto cósmico.
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Data de 1909 o primeiro recorde mundial de lançamento do peso, reconhecido pela Associação Internacional de Federações de Atletismo. A marca então registada: 15 metros e 54 centímetros. Os recordes de distância alcançada nesta modalidade foram-se sucedendo, até à marca de 23 metros e 12 centímetros, conseguida há já mais de 23 anos. Podemos imaginar indivíduos cada vez mais fortes, capazes de imprimir ao peso uma velocidade inicial cada vez maior e, por isso, lançá-lo cada vez mais longe. Um verdadeiro “Super Homem” poderia até lançar o peso com tal velocidade inicial, que este não voltaria a cair na Terra! A velocidade mínima que um objeto deve ter para não regressar à Terra por efeito da atração gravitacional é da ordem de 11 km/s, ou seja, quase 40000 km/h! Esta velocidade é designada por velocidade de escape e varia, por exemplo, de planeta para planeta, dependendo da massa que este possa ter e da distância a que o objeto a lançar se encontra do seu centro. Lançamentos a partir da superfície da Lua necessitam apenas de uma velocidade de 2,4 km/s para escapar à atração gravitacional do nosso satélite.
A luz tem uma velocidade de propagação próxima de 300 mil km/s, claramente superior à velocidade de escape para lançamentos a partir da superfície da Terra. Assim, se quisermos lançar luz para o espaço, basta apontar uma lanterna para o céu. A velocidade da luz emitida por essa lanterna é mais do que suficiente para permitir que ela escape ao nosso planeta.
Qual será a velocidade de escape a partir da superfície do Sol? Cerca de 620 km/s é a resposta. Mais uma vez, bem inferior à velocidade da luz, razão pela qual a luz escapa ao Sol e pode chegar até nós. E se a velocidade de escape da superfície do Sol fosse superior à velocidade da luz? Nesse caso a luz emitida pelo Sol não conseguiria escapar à atração gravitacional da nossa estrela e “cairia” de volta na sua superfície. O Sol seria um Buraco Negro! Para tal acontecer toda a massa do Sol teria que estar contida numa bola com, no máximo, cerca de 2900 km de raio, ou seja, um pouco menos de metade do raio da Terra.
É possível detetar buracos negros? Se os buracos negros não deixam a luz escapar, descobri-los pode parecer uma tarefa impossível. Esta tarefa é mais fácil quando um buraco negro e uma estrela companheira se orbitam mutuamente, formando um sistema binário. Nestes casos, à volta do buraco negro forma-se um disco de matéria que vai espiralando em direção ao local de onde não mais poderá escapar. Neste disco a matéria fica tão quente que emite radiação eletromagnética no regime dos raios-x, e estes não só podem ser detetados, como o seu estudo, conjuntamente com o estudo da estrela, permite determinar se no centro do disco está um buraco negro. Há cerca de 20 buracos negros na Via Láctea, com existência confirmada em sistemas binários.
Através do estudo de fontes de raios-x na galáxia de Andrómeda, foram recentemente descobertos novos candidatos de buraco negro. Uma imagem de Andrómeda em luz visível, e outra da sua região central em raios-x, ajudam-nos na localização dos candidatos. Enquanto não for possível estabelecer, sem qualquer margem para dúvida, que a massa daqueles objetos os “obriga” a serem buracos negros, apenas candidatos continuarão a ser.
Crédito: Imagem em raios-x: (NASA/CXC/SAO/R.Barnard, Z.Lee et al.); Imagem visível: (NOAO/AURA/NSF/REU Prog./B.Schoening, V.Harvey; Descubre Fndn./CAHA/OAUV/DSA/V.Peris). Em: http://www.chandra.harvard.edu/photo/2013/m31/.
Quando se estudam objetos tão distantes, nem sempre as conclusões são preto ou branco. Nesta perspetiva, os buracos negros são muitas vezes...cinzentos!
Boas férias. Aproveite para olhar para o céu noturno, em particular se estiver bem longe de poluição luminosa. Deixe que os seus olhos se adaptem à escuridão.
O que consegue ver?
P.S. 1: Muito dificilmente algum objeto conseguiria viajar a 11,2 km/s próximo da superfície da Terra e permanecer intacto. A resistência do ar encarregar-se-ia de o destruir.
P.S. 2: Pode saber mais sobre velocidade de escape em http://hyperphysics.phy-astr.gsu.edu/hbase/vesc.html#c2, em língua inglesa.