À Distância por Daniel Folha

Eixos de Opinião novembro 2013




                


Distâncias (quase) infinitamente grandes e distâncias (quase) infinitamente pequenas estão intrinsecamente relacionadas no Universo de que fazemos parte e que aos poucos vamos tentando conhecer melhor. Nesta rubrica escreverei algumas palavras, e números (!), sobre o Universo que vemos quando olhamos para um céu estrelado numa noite límpida. Uma modesta contribuição para ajudar a reflectir sobre a nossa posição no contexto cósmico.                  
Daniel F. M. Folha - Professor Auxiliar do Instituto Superior de Ciências Saúde – Norte (ISCS-N), Coordenador de Projectos e Protocolos do CIENCEDUC – Educação para as Ciências (Departamento de Ciências do ISCS-N), Investigador do Centro de Astrofísica da Universidade do Porto (CAUP)                                                                  


À Distância por Daniel folha

Artigo de novembro de 2013  

Clube de Matemática SPM

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TÍTULO: Funções do Tempo


As funções matemáticas estão por todo o lado, mesmo sem as vermos. Estão na descrição e compreensão de fenómenos, processos e objetos. Sem o conhecimento de funções matemáticas o mundo seria certamente um lugar muito diferente e a nossa compreensão do universo que nos rodeia seria infinitamente menor.

Quaisquer imagens de quaisquer lugares no universo, como são exemplo aquelas que tenho trazido a este espaço, não são mais do que representações visuais de funções matemáticas que nos dizem qual o brilho em diferentes “pontos” (1) do espaço, eventualmente em comprimentos de onda diferentes (cores diferentes).

O universo é uma entidade dinâmica e por isso imagens obtidas num dado instante de tempo dão-nos acesso apenas a uma parte da realidade. A identificação e compreensão de muitos dos fenómenos que ocorrem no universo obriga ao estudo de variações ao longo do tempo de uma ou mais grandezas físicas.

A procura e caracterização de planetas para além do Sistema Solar é uma das áreas de investigação atual em que é crucial acompanhar ao longo do tempo grandezas físicas relevantes. Dependendo dos métodos utilizados, essas grandezas físicas podem ser a posição de um objeto “pontual” (1), a velocidade radial (2) de uma estrela ou o brilho de uma estrela, com os métodos atualmente mais profícuos a concentrarem-se nestas duas últimas grandezas físicas.

Este mês escolhi duas figuras que correspondem à presença de um planeta em volta da estrela HD189733, situada a quase 63 anos-luz do Sistema Solar. Essas figuras mostram a variação da velocidade radial da estrela à medida que o planeta orbita em sua volta e a diminuição do brilho da estrela quando o planeta a oculta parcialmente dos observadores na Terra. A ocultação parcial de estrelas por planetas é um fenómeno designada por transito planetário.





Crédito: Figuras adaptadas de Bouchy et al. (2005), Astronomy & Astrophysics, Vol. 444. L15-L19


Cada uma das figuras apresenta como pontos, representados por círculos ou triângulos, as medições realizadas ao longo do tempo e como linhas o gráfico das funções matemáticas que melhor representam aqueles dados observacionais e que são consistentes com os modelos físicos apropriados.

Uma vez que o movimento de um planeta em torno de uma estrela é um movimento periódico no tempo, as figuras apresentadas mostram funções periódicas no tempo, mas representadas com a fase orbital (3) como variável independente.

A identificação simultânea e correlacionada da variação periódica da velocidade radial da estrela e do seu brilho durante o transito permite perceber não só a existência do planeta mas também determinar a massa e o raio do planeta e, consequentemente, a sua densidade. No caso apresentado, Bouchy e colaboradores determinam que o planeta orbita a estrela HD189733 com um período de 2,219 dias, possui uma massa cerca de 1,15 vezes superior à massa do planeta Júpiter e um raio cerca de 1,26 vezes o raio do planeta Júpiter, correspondendo-lhe uma densidade igual a cerca de 0,75 gramas por centímetro cúbico, ou seja cerca e 3/4 da densidade da água. 

Figuras como as que aqui se apresentam podem não ser visualmente tão apelativas como as típicas imagens astronómicas, mas digam lá se não é um ato com uma beleza especial ser capaz de “pesar” (4) e medir um planeta, utilizando a luz que nos chega da estrela que ele orbita, já que do planeta propriamente dito nada conseguimos observar diretamente?

Notas:


(1) No contexto da astronomia, um “ponto” ou um objeto “pontual” numa imagem correspondem a volumes de espaço com dimensões inferiores ao limite de resolução da instrumentação utilizada. A quase totalidade das estrelas observáveis não é mais do que um “ponto” nas imagens astronómicas, mesmo quando apresentam um tamanho consideravelmente superior ao do Sol.

(2) A velocidade radial é a componente da velocidade do objeto celeste, por exemplo de uma estrela, na direção do observador. 

(3) Como é típico neste tipo de estudos, a fase orbital considera-se igual a zero no instante de tempo em que a ocultação vai exatamente a meio. Somar ou subtrair 0,5 a este valor coloca o planeta num local da sua órbita diametralmente oposto àquele que o planeta ocupa quando a fase é zero.

(4) Pesar é o ato de determinar o peso de um objeto. Objetos celestes não têm peso. No contexto utilizado no texto apresentado, “pesar” corresponde a determinar a massa do planeta. Objetos na Terra têm peso porque são atraídos para o centro da Terra por efeito da atração gravitacional. Na Terra, o peso de um objeto que tem uma dada massa é igual ao produto da massa pela aceleração da gravidade, cujo valor à superfície da Terra é 9,81 metros por segundo quadrado. Por exemplo, o peso de um objeto com massa 1,0 kg é 1,0 x 9,81 newton (newton é a unidade de peso no Sistema Internacional).



Todos os meses, no dia 13 de cada mês:


Publicado/editado: 13/11/2013