Linhas e Pontos por Carlos M. Marinho

Eixos de Opinião de Fevereiro de 2011

 


 

Este espaço vai ser dedicado a aspectos simples da vida em contexto real, em que a matemática pode entrar como elemento surpresa. Em síntese, estas "linhas" terão como base "pontos" comuns da nossa vida, em que a objectividade da Matemática pode fazer compreender alguns "problemas" que vão surgindo em contexto real. Como afirmou Pitágoras, "Todas as coisas são números". Nesta rubrica tudo cabe... até a matemática. 

   

Carlos Marinho -  Coordenador do Clube da Matemática da Sociedade Portuguesa de Matemática

Título: O Parafuso

A evolução do mundo em que vivemos depende das competências dos seres humanos. Todos os dias encontro pessoas competentes em diversas áreas. Há uns tempos entrei numa grande loja, fui atendido por um rapaz com qualidade. Comprei e fiquei satisfeito. No final, ao sair disse-lhe que em seis meses ele estaria gerir o espaço. Ele riu-se. Uns tempos depois fui à mesma loja e, precisei de chamar o responsável. O mesmo jovem veio ter comigo e, a primeira coisa que me disse foi: O senhor tinha razão. Eu estou a gerir este espaço. Como sabia? – Perguntou-me.

Agora perguntam vocês, como eu que eu sabia que aquilo ia acontecer? Fácil, afinal sou matemático. Estou a brincar. A resposta não é difícil. Aquele indivíduo era competente, mostrava atributos naquela específica função. Era bom no que fazia. Alguém, mais cedo ou mais tarde tinha de reparar no talento daquele jovem.

O Matemático argentino Adrián Paenza conta uma pequena história. Toda a produção de uma fábrica assentava no trabalho de uma máquina, quando de repente a máquina avariou. O dono da empresa mandou verificar a alimentação eléctrica, controlar a lubrificação, tentou de diversas maneiras pôr a máquina a trabalhar. Decorridas várias horas, quando tudo estava parado, com prejuízos materiais elevados, o dono decidiu chamar um especialista, perito em motores. Fez um diagnóstico do problema da máquina, tirou uma chave de parafusos, abriu um compartimento e fixou-se num ponto preciso. Ao fim de minutos a empresa laborava de novo na sua máxima força. O dono contente, muito contente, convidou o competente especialista para ir ao seu gabinete e ofereceu-lhe um café. Conversaram sobre diversas coisas até que chegou a hora de pagar.

- Quanto lhe devo? Perguntou o dono.

- Deve-me 1500 dólares.

O homem quase desfaleceu.

Quanto disse? 1500 Dólares?

- Sim, respondeu. 1500 Dólares.

- Mas ouça, … - quase gritou o dono. – Como pode pretender que lhe pague 1500 dólares por uma coisa que lhe levou 5 minutos?

- Não senhor – replicou. – Levou-me 5 minutos mais 5 anos de estudo.

Gostava de ser sempre competente, uma vez que todos os dias existem pessoas que dependem disso. E, mesmo com muitos anos de estudo na minha área específica, penso sempre como Júlio Pomar quando afirmou “as dúvidas são o meu material mais precioso”. Imaginem se tenho dúvidas nos conteúdos que sou perito, como seria se tomasse decisões sobre matérias que não sou especialista?

Tenho pena de todos aqueles que têm a responsabilidade de tomar decisões que podem pôr em causa pessoas. Muitas das vezes sem cinco anos de estudos que sustentem boas decisões, desprovidos de valores e, escorados em argumentos errados, que em vez de arranjarem a máquina, criam mais problemas na engrenagem.

As pessoas são mais importantes que todas as máquinas. O ideal para quem toma estas decisões é que tenha a absoluta certeza que o que está a fazer é o mais correcto. Que o mais simples parafuso foi colocado no sitio correcto.

Senão, há sempre quem pense que um dia aquela pessoa vai ter de se justificar pelos erros que cometeu, nem que seja pela justiça divina, afinal somos todos simples mortais. Pelo menos aí, as “contas” serão feitas.

Publicado/editado: 10/02/2011