Linhas e Pontos por Carlos Marinho



 


 

Este espaço vai ser dedicado a aspectos simples da vida em contexto real, em que a matemática pode entrar como elemento surpresa. Em síntese, estas "linhas" terão como base "pontos" comuns da nossa vida, em que a objectividade da Matemática pode fazer compreender alguns "problemas" que vão surgindo em contexto real. Como afirmou Pitágoras, "Todas as coisas são números". Nesta rubrica tudo cabe... até a matemática.  

  

 

Carlos Marinho -  Coordenador do Clube da Matemática da Sociedade Portuguesa de Matemática

 


Título: Na matemática 2+2 serão sempre 4


Uma das especificidades que o matemático tem na sua actividade profissional passa por olhar os problemas de outra maneira, criando soluções diferentes. Se tivermos um copo com água até meio podemos apresentar diferentes tipos de análise. Proponho três: o optimista olha e diz que está meio cheio; por outro lado, o pessimista diz que o copo está meio vazio; o matemático tem uma visão bem diferente destas duas: olha fixamente o copo, abstrai-se do que está dentro, porque simplesmente não lhe interessa e afirma o seguinte: “Este copo tem o dobro da capacidade necessária para conter esta quantidade de líquido. Existe um desperdício, uma quantidade de espaço que não está a ser aproveitado”. É isto mesmo!  O matemático centra-se no que é fundamental,  retirando o que não interessa.


Há dias fui com a família a um restaurante de fast-food, igual a muitos espalhados pelo país. Enquanto esperava pelo meu pedido, fazendo cálculos mentais e, até estimativas de quanto iria pagar,  a bebida foi a primeira coisa a ser servida. Vou chamar-lhe bebida x. Olhei o funcionário e disse-lhe que tinha pedido a bebida x.


O jovem funcionário disse, “mas esta é a bebida x, como pediu”.

Eu retorqui: “Desculpe, mas esta não é a bebida que pedi”.


Durante alguns instantes ficámos a olhar um para outro. Estava criado um nó gordio deveras interessante.


O ponto da situação é o seguinte: O funcionário serve uma bebida e o cliente afirma não ser a bebida que pediu. Aquele impasse teria de ser resolvido. Quem teria razão? O cliente ou o funcionário?


Tive de explicar ao funcionário que tinha pedido a bebida x e não a bebida x com gelo.


Agora faço uma pergunta: Por que razão sempre que peço uma bebida, esta vem sempre servida com gelo? Por que razão tenho de pedir a bebida sem gelo? Mas existe uma bebida chamada “bebida sem gelo”? Por que razão se institui que a bebida tem de ser servida sempre com gelo?


Finalmente, ele percebeu que o que eu queria mesmo era a bebida x, sem gelo. Com algum custo lá me foi buscar a bebida x sem gelo. Mas se pensam que o problema ficou aqui resolvido, desenganem-se.


Olhei de novo o jovem funcionário e disse-lhe:

 - acabei de pagar uma bebida de 40 cl.

A resposta não demorou a chegar:

 - mas este copo é de 40 cl.

Retorqui:

- de facto é de 40 cl mas tem no seu interior 38 cl, no máximo, uma vez que notava-se à vista desarmada que o nível de liquido estava abaixo dos 40 cl.


Já sem paciência para me aturar foi encher o copo um pouco mais.


O que se tinha passado? Como pedi a bebida sem gelo, a máquina está calibrada para tirar exactamente 40 cl de bebida. Muitas vezes a bebida é retirada numa fase em que a bebida ainda escorre, caindo num domínio de desperdício, mas não para dentro do copo, uma vez que ele foi retirado antecipadamente.


Para um matemático 40 cl são 40 cl e, não 39 ou 38.


Agora faço uma pergunta cuja resposta deixo à vossa consideração: E se a bebida tiver 41 ou 42 cl, será que eu ia reclamar?


Na matemática 2+2 serão sempre 4!



Publicado/editado: 10/05/2011