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Distâncias (quase) infinitamente grandes e distâncias (quase) infinitamente pequenas estão intrinsecamente relacionadas no Universo de que fazemos parte e que aos poucos vamos tentando conhecer melhor. Nesta rubrica escreverei algumas palavras, e números (!), sobre o Universo que vemos quando olhamos para um céu estrelado numa noite límpida. Uma modesta contribuição para ajudar a reflectir sobre a nossa posição no contexto cósmico.
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A que se devem as estações do ano na Terra? Se é uma das pessoas que pensa que as estações do ano são resultado da variação da distância da Terra ao Sol, não está sozinha. Longe disso. Mas está errada!
A órbita da Terra em torno do Sol é uma elipse, ocupando o Sol um dos focos, pelo que a distância entre a Terra e o Sol não é constante. A menor distância, designada por distância no periélio, ocorre no inicio de Janeiro enquanto a maior distância, designada por distância no afélio, é alcançada no início de Julho, sendo que a distância no afélio é 3,4 % superior à distância no periélio. Como resultado apenas desta variação de distância, a quantidade de energia solar que chega a um local à superfície da Terra varia cerca de 7% entre o mínimo (durante o afélio) e o máximo ( durante o periélio). Fossem estas variações as responsáveis pelas estações do ano e teríamos todo o planeta na mesma estação do ano!A realidade é diferente: quando é primavera/verão nas regiões temperadas do hemisfério norte, é outono/inverno nas regiões temperadas do hemisfério sul, e vice-versa. Por si só a variação de 7% atrás referida não é suficiente para explicar as estações do ano na Terra.
A Terra roda inclinada relativamente ao plano da sua órbita em torno do Sol (o plano eclítico), sendo o ângulo de inclinação igual a 23,5 graus. Este ângulo é designado por obliquidade da eclítica. À medida que a Terra descreve a sua órbita, ora fica inclinado para o Sol o hemisfério norte, ora fica inclinado para o Sol o hemisfério sul. No solstício de verão do hemisfério norte (20/21 Junho) a radiação solar incide perpendicularmente nos locais da Terra situados a uma latitude de 23,5 graus Norte, e no solstício de verão do hemisfério sul (21/22 de Dezembro) nos locais situados a 23,5 graus de latitude Sul. Quanto maior a inclinação da radiação solar em relação à superfície da Terra, menos energia é distribuída por cada metro quadrado de superfície, e menor é o aquecimento da superfície. A ocorrência das estações do ano em cada hemisfério está relacionada com a quantidade de energia solar distribuída por cada metro quadrado de superfície da Terra.Para uma latitude de 41 graus Norte, próxima da do Porto, um metro quadrado de superfície horizontal recebe cerca de 2,2 vezes mais energia solar no solstício de verão do que no solstício de inverno. Como facilmente se constata, esta variação é bem superior à que resulta à variação da distância entre a Terra e o Sol.
Teremos uma situação semelhante nos restantes planetas do Sistema Solar ?
O planeta Marte possui actualmente uma obliquidade aproximadamente igual a 25 graus, valor muito próximo da Terra. Assim, tal como a Terra, Marte apresenta quatro estações do ano. A 9 de Abril de 2011iniciou-se o inverno no hemisfério norte de Marte, estação que durará até 14 de Setembro de 2011 (http://planetary.org/explore/topics/mars/calendar.html).A obliquidade de Marte é muito variável, podendo oscilar entre 0 e 60 graus em escalas de tempo de dezenas de milhões de anos. Tais variações não ocorrem na Terra devido à presença da Lua. A manutenção de uma obliquidade quase constante num planeta, tal como acontece na Terra, pode ser muito importante para o desenvolvimento de vida à escala global desse planeta.
Com obliquidades próximas de 28 graus, Saturno e Neptuno são planetas também com quatro estações do ano. Em Saturno cada estação do ano tem duração de cerca de 7 anos terrestre, e em Neptuno de aproximadamente 40 anos terrestres. Em Neptuno, as variações sazonais são mais ligeiras, principalmente devido à grande distância que o separa do Sol (30 vezes mais longe do Sol do que a Terra). A temperatura em Neptuno é extremamente baixa: nas regiões de Neptuno onde a pressão é igual à pressão à superfície da Terra a temperatura em Neptuno é cerca de -200 graus centígrados.
Com obliquidades inferiores a 4 graus, Mercúrio, Vénus e Júpiter não apresentam padrões de quatro estações do ano. Mercúrio e Vénus apresentam variações sazonais complexas que resultam da relação entre os seus períodos de rotação e translação. Um dia solar em Vénus tem duração de cerca de 116,75 dias terrestres, enquanto o ano venusiano dura 225,65 dias terrestres. Em Mercúrio um dia dura exactamente o mesmo que duas órbitas do planeta em torno do Sol, ou seja dois anos mercurianos!
A obliquidade de Úrano é de quase 98 graus, o que é equivalente a dizer que o planeta se move em torno do Sol “deitado” sobre o seu eixo de rotação. Como resultado desta configuração, cada pólo de Úrano é iluminado alternadamente pelo Sol durante 42 anos terrestres consecutivos (meio período de translação de Úrano) enquanto o outro pólo é mantido em escuridão. Ao contrário do que se passa nos pólos terrestres, onde o Sol nunca se encontra mais do que 23,5 graus acima do horizonte, durante longos períodos de tempo o Sol vai alto nos pólos de Úrano. As estações do ano em Úrano também são quatro, mas com padrões muito distintos das da Terra. Afinal, durante o longo ano de Úrano, as suas regiões polares recebem bem mais energia do Sol do que as regiões equatoriais.
O fenómeno das estações do ano é prevalente nos planetas do Sistema Solar. A obliquidade do planeta, a excentricidade da órbita, a relação entre os seus períodos de rotação e translação e a distância a que órbita o Sol são factores fundamentais na definição das características climatológicas de cada planeta, e em particular das suas estações do ano.