Entre Parênteses () por António Machiavelo

 


 


O que é a Matemática? Para que serve? Como é a Matemática usada no dia-a-dia? Que vantagens traz para a sociedade? E para o indivíduo, que vantagens há em saber Matemática? Estas são algumas das questões que serão abordadas nesta rubrica, onde se abrirão pequenos parênteses para oferecer temas para reflexão e perspectivas talvez ligeiramente diferentes das usuais sobre a Matemática e a sua importância.

 

António Machiavelo - Departamento de Matemática da FCUP



Título: As origens da Matemática em noites de Verão


Com o advento da iluminação pública nocturna, sem dúvida útil em muitos aspectos, perdeu-se o encanto e o deslumbramento de uma noite límpida de lua nova em que o firmamento se enfeita de miríades de estrelas. Só nos lugares mais remotos se pode assistir à extraordinária beleza de uma abóboda celeste repleta de inúmeros pontinhos luminosos que hoje sabemos serem sóis distantes e galáxias longínquas.


Há uns milhares de anos atrás esta situação era, naturalmente, bem diferente. Esse espectáculo nocturno era frequente, e alguns dos nossos mais curiosos e observadores antepassados não puderam deixar de notar alguns padrões e regularidades interessantes nessas misteriosas luzinhas celestes, assim como algumas irregularidades enigmáticas. Foi destas observações que, de mãos dadas com a Astronomia, nasceu muita Matemática --- em particular a chamada trigonometria.


Não é coincidência que estas ciências se tenham desenvolvido no seio das primeiras civilizações, uma vez que a Matemática e a Astronomia foram fundamentais para a elaboração de calendários rigorosos, que são essenciais para a organização de uma sociedade e para o desenvolvimento de uma agricultura que permita sustentar um grande número de indivíduos. Além disso, a aglomeração de seres humanos em cidades e grupos de cidades implica toda uma panóplia de problemas logísticos, que nos passam despercebidos mas onde a Matemática desempenha um papel importante, tendo algumas das suas partes sido desenvolvidas precisamente para lidar com alguns desses problemas.


Foi também a contemplação dos astros que levou um dos que mais contribuiu para o seu conhecimento, Galileu Galilei (1564-1642), a escrever na sua obra «Il Saggiatore», de 1623 (cap. 6):


«La filosofia è scritta in questo grandissimo libro che continuamente ci sta aperto innanzi a gli occhi (io dico l'universo), ma non si può intendere se prima non s'impara a intender la lingua, e conoscer i caratteri, ne' quali è scritto. Egli è scritto in lingua matematica, e i caratteri son triangoli, cerchi, ed altre figure geometriche, senza i quali mezzi è impossibile a intenderne umanamente parola; senza questi è un aggirarsi vanamente per un oscuro laberinto.»


"Il Saggiatore" significa algo como "o aferidor", alguém que avalia algo cuidadosamente, e este extracto muito citado (mas nem sempre correctamente) pode ser traduzido por:


«A filosofia [i.e. a ciência] está escrita neste grandíssimo livro que permanece continuamente aberto diante dos nossos olhos (refiro-me ao universo), mas que não pode ser compreendida sem primeiro se aprender a entender a língua, e conhecer os caracteres, no qual está escrito. Está escrito em linguagem matemática, e os seus caracteres são triângulos, círculos e outras figuras geométricas sem as quais é humanamente impossível entender uma palavra; sem estes vagueia-se em vão através de um labirinto escuro.»


Se neste Verão o leitor tiver a oportunidade de contemplar um céu inundado de estrelas, lembre-se que ali, no seio desse espectáculo deslumbrante, está muita Matemática que tornou possível o desabrochar das civilizações humanas. Na minha opinião, isto adiciona-lhe ainda um pouquinho mais de beleza.


O Clube de Matemática vai fazer uma pausa (merecida!) em Agosto. Até Setembro a todos, e boas férias!


Publicado/editado: 06/07/2011