Entre Parênteses () por António Machiavelo


 


O que é a Matemática? Para que serve? Como é a Matemática usada no dia-a-dia? Que vantagens traz para a sociedade? E para o indivíduo, que vantagens há em saber Matemática? Estas são algumas das questões que serão abordadas nesta rubrica, onde se abrirão pequenos parênteses para oferecer temas para reflexão e perspectivas talvez ligeiramente diferentes das usuais sobre a Matemática e a sua importância.

 

António Machiavelo - Departamento de Matemática da FCUP



Título: Pontos, Linhas e a Estrutura do Universo


Considere o leitor um conjunto (finito) de pontos e ligue alguns por linhas, como no exemplo da figura ao lado. Não interessa se as linhas são rectas ou curvas.  

 

 "Figura 1: Grafo com 6 vértices e 9 arestas"


O que acaba de desenhar é uma representação daquilo a que se chama um grafo (simples). Este é um objecto matemático que consiste de elementos (a que, neste contexto, se dá o nome de vértices) de um certo conjunto,  juntamente com uma relação que determina quando dois desses elementos estão ou não ligados (uma tal ligação diz-se uma aresta). Esta última frase é um pouco rebuscada, mas serve para deixar claro de que é que estamos exactamente a falar, e também para realçar o facto de que não interessa a forma das ligações, mas tão somente a sua existência ou não.


Por mais incrível que pareça, há  toda uma área da Matemática que estuda estas coisas, a Teoria dos Grafos, contendo resultados bem sofisticados e com enormes aplicações práticas. Mas vou-me limitar aqui a descrever um resultado muito simples, que me vai servir para exemplificar algumas considerações de carácter filosófico sobre a Matemática e a sua relação com este nosso Universo. Para o fazer, é conveniente introduzir a nomenclatura seguinte. Num grafo, o grau de um ponto (ou vértice) é o número de linhas (ou arestas) que dele "irradiam", ou seja, o número de pontos a que ele está ligado. O resultado é então o seguinte:


A soma dos graus de todos os pontos é igual ao dobro do número de linhas.


A razão é simples: ao somar os graus de todos os pontos, cada linha é somada duas vezes, uma vez que cada linha "irradia" de dois pontos, nomeadamente as suas duas extremidades. No exemplo da figura 1 a soma dos graus é 2+3+3+3+3+4=18 e o número de linhas é 9.


Suponhamos agora que o leitor encontra alguém que tenta arranjar uma maneira de ligar 5 coisas de tal modo que cada uma esteja conectada a 3 outras. É irrelevante o que tais coisas poderiam ser, assim como é irrelevante saber em que consistem exactamente essas ligações. Poderiam, por exemplo, ser filiais de uma empresa que se pretendiam ligar por cabos de fibra óptica de altíssima qualidade, ou então uma companhia aérea que planeava estabelecer ligações entre 5 capitais por forma a que houvessem voos de cada uma para três outras, ou poderiam ser muitas outras coisas.


Munido do resultado acima, o leitor poderá agora explicar a tal pessoa que, por mais que tente, não conseguirá nunca executar essa tarefa. Porquê? Simplesmente porque o que está a tentar fazer corresponde a um grafo em que a soma dos graus seria um número ímpar, 15, o que é impossível. 

 
 

"Figura 2: Uma tarefa impossível"

 

Repare-se na imensidão de casos concretos a que o resultado acima descrito se aplica! Limitei-me a dar dois exemplos, mas o leitor facilmente poderá imaginar muitos mais. Para além disso, escolhi os números 5 e 3 simplesmente a título de exemplo. Facilmente se percebe que o resultado implica que não existe nenhum grafo com um número ímpar de pontos tal que cada um esteja ligado a um número ímpar de outros pontos. E isto é ainda apenas um conjunto de casos especiais!


Há, pelo menos, duas importantes lições que se podem retirar deste simples exemplo. A primeira é que a pretensa dicotomia abstracto/concreto é, em grande parte, disparatada. Quanto mais uma coisa é abstracta, mais aplicações concretas tem!  A segunda tem a ver com natureza da própria Matemática. Repare-se que o resultado acima evidenciado é como que uma lei da Natureza, em certo sentido mais profunda do que uma lei da Física. Ele mostra que é simplesmente impossível estabelecer ligações entre um dado número de coisas de certas maneiras. É como que uma lei estrutural do Universo.


E é isto mesmo que eu diria que é aquilo em que consiste a Matemática: o estudo da estrutura íntima do Universo, de uma espécie de textura profunda que tem algo a ver com a própria organização "interna" do Cosmos.


Publicado/editado: 04/09/2011