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Distâncias (quase) infinitamente grandes e distâncias (quase) infinitamente pequenas estão intrinsecamente relacionadas no Universo de que fazemos parte e que aos poucos vamos tentando conhecer melhor. Nesta rubrica escreverei algumas palavras, e números (!), sobre o Universo que vemos quando olhamos para um céu estrelado numa noite límpida. Uma modesta contribuição para ajudar a reflectir sobre a nossa posição no contexto cósmico.
Daniel F. M. Folha - Professor Auxiliar do Instituto Superior de Ciências Saúde – Norte (ISCS-N), Coordenador de Projectos e Protocolos do CIENCEDUC – Educação para as Ciências (Departamento de Ciências do ISCS-N), Investigador do Centro de Astrofísica da Universidade do Porto (CAUP)
Estou a escrever este texto sentado numa cadeira, com os meus braços apoiados numa mesa e alguns dos meus dedos a tocar nas teclas de um computador. Todos estes objetos são essencialmente espaço vazio! Porventura o leitor parou no ponto de exclamação, releu o texto e pensou: o homem está doido... Passou-se!
Deixemos por momentos aqueles objetos do quotidiano. A imagem que se segue mostra-nos a galáxia NGC 1187, uma bonita galáxia em espiral, situada a cerca de 60 milhões de anos-luz da Terra. Também esta galáxia, como aliás todas as outras, é essencialmente espaço vazio.
Crédito: ESO
Nós vivemos dentro de uma galáxia deste género, a Via Láctea e, para nós, cá dentro, é fácil constatar que a maior parte do espaço numa galáxia é vazio. Quase basta olhar para o céu noturno para perceber isso. Mas podemos quantificar. A maior parte das 400 mil milhões de estrelas da Via Láctea encontram-se no disco galáctico, cuja espessura é aproximadamente mil anos-luz e o diâmetro é cerca de 100 mil anos-luz, de onde resulta que cada estrela tem para si um volume da ordem de 20 anos-luz cúbicos, ou seja uma esfera com cerca de 3,3 anos-luz de diâmetro. Cada estrela e tudo o que possa girar à sua volta ocupa apenas uma pequeníssima fração deste volume. No caso do Sol, essa fração é da ordem de 10-22. Ou seja, na vizinhança do Sol, qualquer coisa como 99,99999999999999999999 % do espaço é vazio. Mais casa decimal menos casa decimal, podemos generalizar este resultado à Galáxia como um todo e mesmo a outras galáxias.
O mesmo não se passará com a cadeira, a mesa e o computador, certo? Vejamos. Qualquer um destes objetos, tal como todos os outros que conhecemos, é composto por átomos. Cada átomo é formado por um núcleo de protões e neutrões, rodeado por tantos eletrões quantos os protões no núcleo (ou quase). Em cada átomo, o tamanho do núcleo é cerca de 100 mil vezes menor do que o tamanho do átomo, isto é, se um átomo fosse uma esfera com 100 metros de diâmetro, o núcleo seria um berlinde com 1 mm de diâmetro colocado bem no centro da esfera, com os eletrões espalhados pela esfera. Estes, por sua vez, são pelo menos 1000 vezes menores do que o núcleo dos átomos. Como o leitor já percebeu, um átomo é essencialmente espaço vazio e, consequentemente, qualquer objeto feito de átomos, é essencialmente espaço vazio! É esta a principal razão pela qual algumas partículas conseguem atravessar matéria. Eletrões energéticos atravessam folhas de papel e até placas pouco espessas de alumínio. Fotões energéticos atravessam o corpo dos seres vivos (raios-x), paredes de betão e mesmo paredes de chumbo (raios gama). Neutrinos atravessam a Terra de um lado ao outro quase como se nada estivesse no seu caminho. Quais sondas espaciais a viajar pelo vazio do espaço interplanetário do Sistema Solar, estas partículas podem viajar através do espaço vazio dos átomos que constituem a matéria.
Se os átomos que me constituem são essencialmente espaço vazio. Se os átomos da cadeira em que me sento, da mesa que utilizo e do computador em que escrevo são essencialmente espaço vazio, porque não atravesso a cadeira? Porque me posso apoiar na mesa? Porque posso tocar nas teclas do computador? A resposta está num princípio da física quântica, o Princípio de Exclusão de Pauli. São as leis físicas que se aplicam às coisas (quase) infinitamente pequenas e definir os fenómenos associados aos objetos do quotidiano.
P.S. – Neutrinos são partículas subatómicas, sem carga elétrica e, provavelmente, com massa muito reduzida (mesmo no que a partículas subatómicas diz respeito). O Sol emite neutrinos como consequência das reações nucleares responsáveis pela produção de energia que ocorre nas profundezas do seu interior, e que na prática lhe permitem existir como estrela.