Fim do episódio por Sílvio Gama. Até setembro...
Título: Apenas acaso, provavelmente…
1ª Parte por Paulo Correia - Dia 1
Mafalda acordou e preparou-se para mais um dia de trabalho. Como era costume tomou o pequeno-almoço em casa… Tirou da gaveta uma colher, que reconheceu, porque tinha uma pequena mancha que parecia o continente africano e começou a pensar que tirava sempre a mesma colher, para aí nos últimos 3 ou 4 dias… engraçado – pensou.
Já no carro, a caminho do emprego, na auto-estrada, reparou que a sua fila parecia ser, das três, a que andava mais depressa – normalmente era ao contrário. Enquanto isso, na rádio, o programa da manhã, que todos os dias assinalava o dia das pessoas com um determinado nome, dizia: “Hoje é o dia de todas as Mafaldas… se se chama Mafalda, ligue-nos”. Mafalda sorriu sem colocar a hipótese de fazer o tal telefonema, enquanto abrandava para a fila da portagem. Quando parou olhou pela janela e viu que na fila do lado, o condutor do carro parado era Jonas, o seu antigo namorado da Universidade.
Quando chegou ao escritório, atendeu o primeiro cliente do dia que se chamava… Jonas. Terminada a reunião com o cliente, Mafalda fez uma pausa e foi tomar café, na loja em frente do seu escritório, e como de costume, comprou uma raspadinha… ganhou 50 euros.
Começou a ficar perturbada pela sequência de coincidências. Pensou em consultar a vidente que tinha um consultório, ali mesmo, no centro comercial do escritório. Vacilava entre ser intrujada – por sua iniciativa – ou ignorar um sinal evidente da eminência de “qualquer coisa”. Mafalda dizia a todos, e a si mesma, que não acreditada “nessas coisas”, mas tantas coincidências poderiam justificar uma excepção.
2ª Parte por Carlos Marinho - Dia 6
Mafalda começou seriamente a pensar em jogar no euromilhões.
A única coisa que conhecia deste jogo era a probabilidade de ser quase zero em acertar no primeiro prémio. Não se lembrava que tipo de combinatória teria de realizar para saber ao certo que possibilidades tinha neste jogo...seriam combinações ou arranjos. A única fórmula que se lembrava eram as permutações...n! (n factorial- n! = n (n-1) (n-2)...). O professor Ambrósio da Silva, catedrático da faculdade onde Mafalda andou, ensinava combinatória como ninguém. Era um excelente professor. Foi pena não ter tido mais tempo para se dedicar à cadeira. Nessa altura as cadeiras de matemática eram as últimas que se faziam no curso de economia. Definitivamente eram as mais difíceis de fazer.
Saiu do escritório e do centro comercial em direção ao semáforo onde estavam algumas pessoas à espera. Quando Mafalda se aproximou, de imediato a luz ficou verde. Decidiu que ia jogar nem que fosse um euro. Num impulso correu pelo passeio e, ao entrar no quiosque "milhõesdeeuros" olhou para o chão e viu algo que reluzia. Debruçou-se sobre aquele objeto brilhante, era uma moeda de 1 euro.
Dez horas e trinta minutos da manhã, Mafalda respirou fundo, entrou na loja determinada a ser a nova vencedora deste concurso que semanalmente faz grandes milionários.
3ª Parte José Carlos Santos - Dia 11
Só depois de entrar no quiosque é que Mafalda pensou que não sabia exactamente o que era preciso fazer para jogar no Euromilhões. Isso, juntamente com o facto de os outros clientes do quiosque parecerem todos estarem calejados nesta actividade, intimidou-a. Tinha a ideia de que era preciso escolher uns números, mas só depois de olhar para um boletim é que se apercebeu de que esses números eram 5, que iam de 1 a 50 e que, além disso, tinha que escolher duas «estrelas», que eram outros números, de 1 a 11.
Como deveria escolher os números? Procurou inspiração nos eventos recentes. Naturalmente, escolheu o número 50, por causa do dinheiro que lhe saíra na raspadinha. Escolheu também o 14, que foi a nota que tivera na cadeira do professor Ambrósio da Silva. Quando ela e o Jonas se tinham conhecido, ela tinha 20 anos e ele 18, pelo que escolheu os números 18 e 20. E assim por diante.
Quando terminou, dirigiu-se à caixa registadora, tendo na mão o boletim e a moeda de 1 euro. Disse que queria registar o boletim e perguntou quanto era. Quando a funcionária respondeu "é obrigatório preencher duas chaves, e são portanto 2 euros", ficou siderada. Com tudo o que se tinha passado, parecia tão óbvio que o euro encontrado era precisamente o que era preciso para registar o boletim…
4ª Parte por Filipe Oliveira - Dia 16
-Permita-me que complete o seu euro com o meu, lançou o senhor que fazia fila por trás de Mafalda. Tratava-se de um cavalheiro visivelmente educado e que vestia de forma muito elegante, com um fato completo de tons acinzentados, colete e uma gravata vermelha.
-Se ganhar, dividimos o prémio, combinado?
Mafalda voltou-se e encarou o desconhecido. Após alguma hesitação, arriscou uma pergunta.
- Nós não nos conhecemos? Parece-me que o senhor me é familiar…
- Penso que não, cara senhora, a menos que…Isso! Era minha colega da Universidade! Lembra-se? Das aulas do Ambrósio da Silva! Que figuraça, aquele professor!
Mafalda sentiu um arrepio.
-Sim, já me lembro. Eu sou a Mafalda. Desculpa, não me recordo do teu nome. Eramos tantos…
-Pois és, és a Mafalda, isso mesmo! Eu chamo-me Jonas!
-Jonas… suspirou Mafalda. Mais um, é o segundo que aparece hoje, pensou ela.
Pagaram o euromilhões a meias e saíram em juntos para a rua.
- Jonas! Tens um nome bíblico. Já foste cuspido pela baleia? - perguntou-lhe Mafalda.
- Cuspido pela baleia? Que queres dizer com isso? - disse Jonas intrigado.
- Ah! Não sabes a história! É que o teu homónimo bíblico só conseguiu sair do ventre daquele enorme animal marinho quando se arrependeu de se ter desviado, por medo, da missão de que Deus o tinha incumbido.
- Olha se estou incumbido de uma missão desconheço qual seja mas admito que todos temos muitas que teríamos obrigação de cumprir, inspiradas por Deus, e que esquecemos atordoados na espuma dos dias. Nesse sentido, se calhar, ainda estou dentro da escuridão da barriga sem mesmo reconhecer do que me devo arrepender. Podíamos ir tomar um café juntos – propôs Jonas.
- Aceito. E se nos sentássemos nesta esplanada – propôs Mafalda.
Logo que se sentaram pediram dois cafés e Mafalda colocou-lhe a dúvida que vinha a toldar-lhe a mente desde que o vira preencher o boletim: - Que raio te deu para escolheres a chave 1, 2, 3, 4, 5 com estrelas 6 e 7? Nunca sai…
- Estou a ver que já esqueceste os rudimentos de probabilidades do liceu. Mas pensa assim: por que razão, sendo as bolas todas iguais, haveria um certo conjunto de bolas sair com mais frequência que um outro? Não o problema não é esse; o que se passa é que se sair a nossa chave ganharemos com grande probabilidade muito menos daquilo que ganharíamos se a chave fosse outra pois há muita gente que acha piada a alinhar estes números. Mas será isso um problema ou o problema seria ficarmos perdidos na euforia de tanto dinheiro?
- És mesmo biblico- disse Mafalda enquanto olhavam para o televisor que transmitia a extração.
Primeira bola 4, segunda 1… ambos estavam agarrados à cadeira…
6ª Parte por Sílvio Gama - Dia 26 - Fim do Episódio
A mão de Mafalda, que segurava o totoloto, tremia. Jonas amimou o braço da Mafalda:
-- Calma... calma... só saíram ainda dois números.
A terceira bola é o número três. A apresentadora segurou a quarta bola, que parecia ser um 5, quando, de repente, o inesperado: uma cãibra numa das pernas fê-la retorcer-se. Deixou cair a bola e baixou-se para agarrar a biqueira de um dos sapatos. A bola rolou um ângulo fora do alcance da câmara de filmar e a alça do vestido da apresentadora rompeu.
A emissão foi interrompida. Na esplanada, Jonas contemplava a surpresa de todos pela raridade daquele momento, quando uma dentadura lhe derrubou a chávena. O café espalhou-se pela mesa e sujou o vestido de Mafalda que, ao sentir o líquido quente, deu um pequeno grito e deixou cair o totoloto.
-- Desssculpe! Podssooo recuperare a minha dentaduuura?
Eles nem queriam acreditar. Curvado para a mesa, ali estava o professor Ambrósio da Silva que, sem os reconhecer, pegou na dentadura e, após duas assopradelas, voltou a colocá-la no sítio.
-- E agora? Vão fazer outra extração dos números? Mas... onde é que está o totoloto? – perguntou Mafalda, reparando, de imediato, num cão que corria com o que parecia ser um boletim de totoloto na boca.
-- Deixa lá, Mafalda! Sabes? Contra todas as probabilidades, reencontramo-nos! – disse-lhe Jonas.
Deixaram a esplanada de mãos dadas. No rádio, o José Cid cantava “Vem viver a vida amor que o tempo que passou não volta mais...”
Alegres, lá foram eles.
Ainda puderam ouvir alguém dizer “Boas férias! Até Setembro!”.