Título: O Serviço...
1ª Parte por Paulo Correia - Dia 1
O Vitor entrava no hotel, numa capital do centro da Europa... ia livrar-se dos óculos sem graduação e da barba longa que o tinham acompanhado nas últimas semanas.
Tinha acabado de conseguir um doutoramento com uma dissertação na área de Data Mining, em nome de Abu Salim – um árabe endinheirado... Vitor já tinha feito trabalhos académicos em nome de outras pessoas – era uma atividade de que não se orgulhava, mas era muito bem paga, e todo o esquema lhe parecia muito bem montado – nunca tinha conhecido nem os mentores do processo nem os clientes.
Depois do banho, e da barba, consultou o mail. Tinha a habitual mensagem de congratulações pelo bom trabalho, os detalhes do pagamento, e uma proposta para um novo serviço, escrever um artigo para ser submetido a uma revista científica de renome. A área de investigação era a sua, o pagamento era muito razoável (como de costume) e não sabia quem assinaria o artigo (como de costume). Só o prazo de seis meses é que lhe parecia curto, mesmo assim, decidiu aceitar.
Na semana seguinte, já de volta às suas funções convencionais, no departamento de estatística do banco, ouviu o chefe comentar, com um sorriso, que preparava um artigo para publicação, na área de Data Mining... deveria estar pronto em seis meses!
2ª Parte por Carlos Marinho - Dia 6
Vitor recordou com alguma nostalgia imediatamente a primeira definição de Data Mining da sua tese de doutoramento.
(um conjunto de ferramentas e técnicas que através do uso de algoritmos de aprendizagem ou classificação baseados em redes neurais e estatística, são capazes de explorar um conjunto de dados, extraindo ou ajudando a evidenciar padrões nestes dados e auxiliando na descoberta de conhecimento)
A ideia que ia fazer um artigo para aquele borra botas mexeu um pouco com ele, mas pensou que poderia trocar algumas ideias sobre o artigo.
- Parabéns, chefe! Se quiser posso falar-lhe de um algoritmo que estudei que pode evidenciar padrões…
- Desculpa, Vitor. O que é um algoritmo? Padrão de quê?
Vitor ficou escandalizado e testou:
- Deixe lá…através da Curva de Gauss...
- A curva de quem?
Vitor testou o limite e foi até conteúdos de 7º ano de escolaridade:
- Foi algo que testei para o banco, achei a mediana e a moda dos valores…
- Mediana! Moda! Não trabalhes, quem passa de moda és tu! Respondeu o chefe Manuel Relvas...
3ª Parte por José Carlos Santos - Dia 11
«O que é que faço?» — perguntou o Vítor para si próprio. Podia desistir de fazer o trabalho, pois o dinheiro que ganharia por esse serviço nem lhe fazia tanta falta quanto isso, mas é claro que isso só significava que o chefe dele o passaria a outro. E a ideia de o Manuel Relvas fazer currículo daquela maneira deixava-o a ferver. Logo aquele tipo!
Foi só à noite que teve uma ideia que lhe agradou. Podia usar no artigo dados relativos a transacções bancárias às quais só Manuel Relvas tivesse acesso e que não podiam ser divulgadas, por questões de sigilo bancário. Isso não poria problemas por parte da revista, pois era prática corrente o uso de dados de instituições bancárias nos artigos nela publicados. Uma vez publicado o artigo, uma chamada anónima a um jornalista especializado em Economia daria logo cabo da carreira do chefe dele. O problema era, é claro, como obter os dados.
Nos dias que se seguiram, os colegas do Vítor viram, com bastante espanto, uma mudança no comportamento dele. Ele, que nunca se preocupara por agradar ao chefe, agora estava sempre à volta dele, mostrando uma enorme vontade em ajudá-lo no que fosse preciso.
4ª Parte por Filipe Oliveira- Dia 16
Aos poucos e poucos, e dando seguimento ao seu plano, Vítor tornava-se unha com carne com o seu chefe. Examinavam em conjunto folhas de cálculo intermináveis, contendo os mais diversos dados relativos às contas dos cliente do banco. Sempre que conseguia, Vítor copiava rapidamente estes ficheiros para uma pen que trazia sempre consigo.
Certo dia, já passava das 18 horas, Manuel Relvas convidou Vítor para jantar.
- Anda daí, já trabalhaste que chega hoje, Vítor. Vens comer lá a casa. Está tudo combinado com a minha esposa, a Rita.
Contrariado, Vítor lá aceitou. Temia que de alguma forma Manuel começasse a confiar menos nele em caso de recusa, e lhe barrasse o acesso aos preciosos dados. Às 20 horas em ponto, com uma belíssima garrafa de Esporão Reserva de 1993 debaixo do braço, lá batia timidamente à porta do seu chefe.
Uma voz feminina fez-se ouvir.
-Quem é? Perguntou Rita numa voz quente e melosa.
5ª Parte por José Veiga de Faria - Dia 21
- Uma voz quente e melosa, disse Vítor de si para si.
Era óbvio o que o esperava: iam tentar corrompê-lo, sabe-se lá até que limites, para o secarem por completo. De repente Vítor viu-se perante um daqueles momentos de decisão telúrica: ou cedia e seria um crápula para sempre ou resistia recuperando-se como homem íntegro e prestando ao mesmo tempo um grande serviço à sociedade. E tudo isto a ser decidido num ápice; tão difícil para ele que já tinha corroborado com desonestidades a troco de uns cobres: era também um corrupto enfim.
A porta abriu-se e na frente dele, com um sorriso sensual, um vestido ultra provocante e duas taças de champanhe na mão, mais despida do que vestida, estava a Sara sua ex-colega de Faculdade.
Há muito tinha perdido o contacto: sabia que tinha tido uma vida libertina, diziam que se vendia por dinheiro, mas constava que a certa altura, depois de uma honrosa inversão de comportamento, tinha entrado para a Judite.
6ª Parte Sílvio Gama - Dia 26
“Olá, Vitor! Sei que continuas a vender as tuas imensas capacidades intelectuais” – disse-lhe Sara com a simpatia que o passado lhe ensinara. Em voz baixa, acrescentou: “Aceita”. De seguida, conduziu-o por magníficos salões principescamente ornamentados. Cruzaram-se, no caminho, com pelo menos oito mulheres até que chegaram a um salão dominado por uma escadaria em semi-arco. A descê-la, Abu Salim, com voz determinada, ordenou: “Yasmin, recolhe as mulheres e põe-nas a fazer alguma coisa.”
“Sim... sim...”, respondeu um homem a quem as mulheres haviam baptizado de Yasmin.
“Meu caro Vitor, bem-vindo a esta minha casa. Manel, junta-te a nós...”
“Sim, papá.”
“Bolas... Yasmin, leva a Samira para junto das outras!”. Abu pediu desculpa a Vitor, explicando-lhe que Samira não valia os 110 camelos e 10 puros-sangues que teve de oferecer por ela. “Quando regressar, vou ver se o pai a recebe de volta... talvez até consiga recuperar os puros-sangues... Oh desculpem! Bem... Vitor... agradeço o doutoramento que fez por mim. Vai dar-me jeito neste país onde uma certa elite dominante teima em ter cursos superiores. Tenciono fazer uma oferta para comprar o banco onde você trabalha e aqui o Manel vai ser o CEO. Assim, temos de lhe arranjar currículo, pois ele diz que irá sentir-se inferiorizado se não tiver papers publicados. Os angolanos já cá têm o seu banco. Os chineses... uma seguradora. Foi um espectáculo ver aqueles chineses todos a tirar fotografias na cerimónia da venda. Ouvi dizer que agora vocês querem vender as águas. As águas têm de ser nossas e termos um banco aqui irá fortalecer a concretização deste objectivo. Sabe, na nossa terra, ter um poço em casa é um sonho só para alguns!”
Vitor ouvia Abu. Um sorriso desenhou-se na cara de Manuel Relvas. Emergia mais um processo que iria, seguramente, ocupar deputados em comissões parlamentares, com o desfecho do costume.