Valor Absoluto por Paulo Correia

Eixos de Opinião maio de 2014



 


Opiniões, reflexões e observações, sem pretensões... A Matemática, o Ensino da Matemática e outros aspetos relacionados, serão por aqui vistos e comentados, com algum humor - sempre pelo lado positivo e "moduladas" pelo exercício da profissão docente.              

 

Paulo Correia - Professor de Matemática da Escola Secundária de Alcácer do Sal e responsável pela página mat.absolutamente.net     

Valor Absoluto por Paulo Correia  

artigo de maio de 2014  

Título: Os estatísticos (não) são matemáticos?



No mês passado, surgiu uma notícia sobre os melhores empregos de 2014 (nos Estados Unidos). O facto da profissão de matemático ocupar o 1º lugar já é por si só um motivo para refletir – com um sorriso no rosto. Mas a lista tem outras particularidades interessantes, por exemplo, em 3º lugar surge a profissão de... estatístico! Não é a mesma coisa?  
Os estatísticos não são matemáticos? A Estatística não é Matemática?
Sem arriscar uma resposta definitiva para a questão, podemos lembrar que, por exemplo em Portugal a Matemática e a Estatística constituíram sociedades científicas autónomas, a SPM e a SPE, ou que algumas universidades de vários países Matemática e Estatística se constituem em departamentos diferentes. 
Naturalmente existem bons argumentos a favor desta separação, mais ou menos assumida e mais ou menos vincada. Tal como existiriam para qualquer outra diferenciação das diferentes áreas da Matemática – Geometria, Álgebra, Cálculo Diferencial, Topologia, … mas parece que a(s) diferença(s) entre Matemática e Estatística são mais evidentes e de natureza diferente.
Na matemática escolar estas diferenças também são notórias... raciocínios relevantes em Estatística,  como a capacidade de criticar um processo de amostragem, a fiabilidade e a eficiência no acesso aos dados, a seleção das medidas estatísticas e dos tipos de gráficos mais adequados para melhor traduzir a informação que se pretende transmitir e tudo o que tem sido agrupado no conceito mais globalizante de “Pensamento Estatístico” são formas de pensar próprias da recolha, processamento e comunicação de informação a partir de (grandes conjuntos de) dados.
A crescente importância do Pensamento Estatístico para a formação plena de um cidadão, e na relação com os dados nas mais variadas áreas científicas, “obrigou” a escola a incorporar a Estatística no currículo, e a disciplina de Matemática foi escolhida como o “lugar natural” para acolher este novo tipo de competência que passou a ser importante desenvolver nos alunos. Progressivamente a Estatística foi sendo introduzida cada vez mais cedo, e com a prescrição de abordagens cada vez mais adequadas – próprias do Pensamento Estatístico. As (outras) competências matemáticas não chegam para desenvolver adequadamente este tipo de raciocínio – formas progressivamente mais sofisticadas de gerir, processar, interpretar e comunicar dados.
Na Estatística (Estatística a sério) os cálculos são realizados com recurso à tecnologia... na escola os gráficos circulares são produzidos com recurso à proporcionalidade direta e marcando ângulos com um transferidor. Existem páginas de Internet dedicadas a compilar e disponibilizar dados reais e fiáveis (em formato digital) sobre os mais diversos assuntos, mas (n)a escola continua(-se) a calcular o 3º quartil do conjunto de dados 8, 14, 14, 10, 7, 2, 10, 6, 7, 13, 16, 16, 4, 7, 15, 11, 3, sem que ninguém saiba (ou queira saber) a que se referem estes valores. O processo estatístico, desde a fase da definição do problema, passando pela definição da metodologia, pela recolha de dados, até à produção da informação, envolve competências altamente relevantes que vão muito além do elemento central da estatística da escola – o cálculo de medidas. Será que a profissão de Estatístico (o tal 3º melhor emprego, nos EUA) consiste essencialmente em calcular medidas estatísticas, sem pensar no significado dos dados, para depois desenhar “à mão” uns gráficos?
A escola, as práticas e os currículos têm sempre algum desfasamento ou atraso (“delay”) em incorporar o que é mais relevante para a sociedade... é natural. O que não se consegue compreender é o “rewind” a que temos assistido... No caso da Estatística esta inércia vinha sendo mitigada a um ritmo satisfatório, em parte, porque os estatísticos tinham sido convidados a participar na definição do currículo de Matemática. Nas atuais propostas curriculares, os matemáticos, propõem – para ser ensinada – uma visão muito redutora da Estatística (uma visão muito matemática). Será que é a mesma coisa?


 


Publicado/editado: 11/05/2014