|
A Matemática debate-se com problemas com números e a Psicologia enfrenta inúmeros problemas, igualmente complexos. A Psicologia estuda o comportamento e os processos mentais. Nesta rubrica vamos estudar alguns comportamentos, não individuais, mas colectivos através da realidade dos números. Victor Santos - Psicólogo
|
Finais do Verão de 1970: uma imensidão de jovens de 15 e 16 anos de idade apresentavam-se no Campo de Sonhos nas sessões de captação de atletas para as camadas jovens do futebol do Ermesinde Sport Clube. Esta crónica é sobre o grupo de jogadores que viria a constituir a equipa de futebol que, durante 3 temporadas, representou o Ermesinde, o clube da nossa terra. Eu fiz parte deste grupo. E, no último sábado, 24 de Maio, quarenta e um ano depois, juntámo-nos quase todos à volta duma feijoada para recordar uma parte das nossas vidas, vivida como uma equipa que conseguiu superar-se, que nos fez campeões de nós próprios.
Todos conhecíamos a linguagem do futebol porque o jogávamos com paixão e prazer nas ruas da nossa terra, nos recreios das nossas escolas. Mas queríamos sentir e viver a sua tribo, composta por incontornáveis rituais e celebrações. E o Ermesinde Sport Clube era o imenso princípio dos nossos sonhos. Juntos percorremos quilómetros a jogar futebol, mais de uma centena de jogos, várias centenas de treinos, treinando jogadas, cruzamentos, cantos, livres, penalties, foras de jogo; apoiamo-nos nas fintas, nas táticas, nas marcações à zona e ao homem, nos falhanços, nas caneladas e faltas, nas lesões, no infortúnio; celebramos o golo, as vitórias. Fizemos de um grupo de amigos, uma equipa a sério de futebol. No primeiro jogo, perdemos 2–0 em Gondomar. Mas ganhamos 7–0 ao Boavista, 6-1 ao Leixões, 4–0 ao Salgueiros... e, num domingo de manhã, invernoso e chuvoso, ao ganharmos 1-0 no campo do Foz passamos a ser os primeiros na classificação. A festa que fizemos. Claro que quem acabou por vencer foi o F.C.Porto, com jogadores como o Fernando Gomes. Um dos jogos com o Porto realizou-se no campo de treinos do antigo Estádio das Antas; a relva foi regada e mais de metade da nossa equipa estatelou-se ao entrar em campo porque as chuteiras eram de travessas. Havia um placard POVO (Porto-0; visitante-0) e o jogo acabou em PIOVO (naquela época era elevada a iliteracia da nossa população!).
O orgulho e a vaidade que sentíamos ao entrar em campo, em Ermesinde, ao som do hino ”o Ermesinde quando veste a camisola…”, com o equipamento sempre tratado com esmero e carinho pelo sr. Armando. Como éramos importantes, como nos sentíamos gente! E havia o prémio do jogo: na vitória eram 10 escudos (atuais 5 cêntimos!), no empate 5 escudos e na derrota, o chá quentinho ao intervalo, quando o jogo era caseiro. E os 10 escudos “iam” logo: 5 escudos para o refrigerante e 5 escudos para o tabaco (SG ou Ritz). Tivemos momentos caricatos, como na deslocação a Penafiel, o campo estava coberto de gelo e para se confirmar a impossibilidade da realização do jogo foi colocada uma galinha junto a uma baliza que deslizou até à outra baliza. Num jogo de rivalidades locais, no campo do Valongo houve uma invasão de campo pelas assistências, sendo a consequência a expulsão de 14 jogadores da nossa equipa.
Descobrimos e construímos, como equipa, caminhos de orgulho, caminhos de futebol, caminhos de amizade. Partilhamos o mesmo projeto, os mesmos objetivos porque ancorados em referências dos treinadores e diretores. Tivemos como treinadores, o mister Augusto Mata, que foi treinador do Infesta mais de 30 anos seguidos e nos soube incentivar para o prazer do jogo, a ética e a estética do futebol. Tivemos nos primeiros jogos, o mister António Grilo, velha guarda do Ermesinde. Tivemos o mister José Neves que nos envolveu na paixão do desporto, no esforço da conquista, da ambição, da amizade e da vida. Conseguiu construir connosco um projeto desportivo e soube envolver-nos em processos de cidadania. Tivemos dirigentes como o sr. João Martins e o sr. Dionísio Castro. Foram a autoridade, no respeito pelas regras e comportamentos, na doçura das atitudes, na sensibilidade de perceber a heterogeneidade e complexidade do grupo. E aos sábados à noite verificavam se estávamos em casa, controlando jovens tentações notívagas. (tema para uma excelente crónica).
No último sábado recordamos com sorrisos e recuperamos com afetos o orgulho deste nosso trajeto. O reencontro fez retomar conversas interrompidas há mais de 40 anos, alicerçou e sedimentou as nossas amizades. Combinamos novos reencontros, comprometendo-me a fazer uma apresentação individual, nessa próxima crónica.