Valor Absoluto por Paulo Correia

Eixos de Opinião junho de 2014



 


Opiniões, reflexões e observações, sem pretensões... A Matemática, o Ensino da Matemática e outros aspetos relacionados, serão por aqui vistos e comentados, com algum humor - sempre pelo lado positivo e "moduladas" pelo exercício da profissão docente.              

 

Paulo Correia - Professor de Matemática da Escola Secundária de Alcácer do Sal e responsável pela página mat.absolutamente.net     

Valor Absoluto por Paulo Correia  

artigo de junho de 2014  


Título: A reprovação dos exames



O sistema educativo parece estar a reprovar em matéria de exames! Surgem notícias de que em nome dos resultados dos exames, até as férias escolares dos alunos de 10 anos estão a ser sacrificadas, as escolas centram o seu trabalho na preparação dos exames, e multiplicam-se as tarefas de avaliação semelhantes a exames... tudo isto apresentado como um conjunto de boas práticas. A esmagadora maioria dos países da Europa remete os exames para faixas etárias de alunos mais velhos, privilegiando uma avaliação de tipo qualitativo como forma de enfatizar o papel formativo da avaliação. De resto, representantes da OCDE já alertaram para o potencial de exclusão social da prescrição de exames para alunos muito novos.
Um olhar mais restrito sobre a matemática, permite constatar outros efeitos indesejáveis da centralização do processo educativo em torno dos exames, nas aprendizagens dos alunos. Atividades  centradas na resolução de problemas, que mobilizam a tecnologia, que permitem o desenvolvimento de competências de nível cognitivo elevado, que desenvolvem competências ao nível do trabalho de investigação ou na modalidade de projecto estão a ser fortemente reduzidas ou até suprimidas... porque são difíceis de avaliar – nos exames! Disciplinas e competências sem exames parecem estar a ser desvalorizadas só porque não têm exames.
Os exames até têm alguns méritos...por exemplo a generalização da utilização da calculadora gráfica, ou de tarefas que valorizam a comunicação matemática, no ensino secundário, foi grandemente potenciada pela inclusão deste itens relacionados com estas competências em exames. Existe um cunho regulador e de homogenização do currículo decorrente da aplicação de exames.
Mas os exames também têm a capacidade de suprimir ou desvalorizar aspetos importantes do currículo. Por exemplo no ensino secundário, o trabalho de modelação com recolha de dados utilizando sensores, ou a utilização pelos alunos de ambientes de geometria dinâmica e de folhas de cálculo tem sido inibida pela ausência de itens que mobilizem estas competências nos exames.
Quando era mais novo, lembro-me de me rir com uma anedota em que se dizia que algumas pessoas vendiam as televisões para comprar vídeos. 
Lembrei-me da anedota porque, agora, param-se as aulas para fazer exames. Suprimem-se aulas para que os professores possam vigiar exames. Reduz-se o tempo útil das aulas para preparar os exames. Cancelam-se aulas para que os professores possam classificar exames. Altera-se o currículo em função dos exames. Criam-se mais exames, e contratam-se empresas para gerir a aplicação de exames. Cobra-se pela validação do aproveitamento dos alunos em exames.
Poderíamos dizer, agora, que  a escola está a vender os ecrãs LED para comprar leitores de Blu-Ray.
As aprendizagens deixaram de ser o objetivo da escola – avaliar (algumas) aprendizagens parece ser o mais importante.





Publicado/editado: 12/06/2014