Valor Absoluto por Paulo Correia

Eixos de Opinião julho de 2014



 


Opiniões, reflexões e observações, sem pretensões... A Matemática, o Ensino da Matemática e outros aspetos relacionados, serão por aqui vistos e comentados, com algum humor - sempre pelo lado positivo e "moduladas" pelo exercício da profissão docente.              

 

Paulo Correia - Professor de Matemática da Escola Secundária de Alcácer do Sal e responsável pela página mat.absolutamente.net     

Valor Absoluto por Paulo Correia  

artigo de julho de 2014  

Título: Quem tem medo do lobo... bom?



As analogias e entre a Matemática e o bicho papão, ou o lobo mau voltaram aos jornais e às redes sociais, a propósito do mais recente exame de Matemática A. Mais surpreendentemente alguns enquadram este cenário como uma evolução no sentido positivo... É caso para perguntar, quem tem medo do lobo bom? 
Se bons resultados artificiais, são consensualmente uma farsa a evitar, o que devemos dizer de resultados artificialmente maus? Ou essa hipótese não existe? 
Exames que no momento da aplicação se percebe que geram médias negativas, são exames adequados? A promoção – consciente – de um sistema de avaliação externa promotor de insucesso é um processo desejável? Os exames são adequados em si mesmo, independentemente dos alunos que pretendem avaliar?  Para que serve um exame? Podemos perguntar aos alunos também aquilo que eles devem saber? Questões que a maioria dos alunos consegue responder corretamente são inadequadas para integrar um exame? Devemos fazer só as perguntas que apenas uma minoria consegue responder? É mais importante diferenciar os alunos médios dos mais fracos, ou diferenciar os bons alunos dos muito bons?
Nenhuma destas questões é consensual... e sabemos que a construção de um exame equilibrado, é uma tarefa difícil. Mas é possível fazer melhor – é preciso responder às questões que se colocam em torno desta matéria. É possível definir uma política coerente, ou então assumir claramente as diferenças de tratamento. Porque é que noutras disciplinas as notas podem ser boas, sem significar facilitismo? Os alunos portugueses só são maus a Matemática –  será genético? Ou os professores de matemática são significativamente mais mal preparados que os restantes? Ou recaiu sobre a Matemática um papel selecionador, uma função de filtragem de alunos para o Ensino Superior que relega para um plano secundário a formação de cidadãos matematicamente competentes, pervertendo e degradando o ensino e as aprendizagens? Parece ser mais importante ensinar a fazer exames de matemática do que ensinar matemática – e não é a mesma coisa!
O aluno médio, entidade abstrata e genérica, obtém a classificação média no exame. Se considerarmos a distribuição das classificações aproximadamente normal, o aluno médio é também o aluno mediano. Mais ainda, o «aluno médio de Matemática A», é um conceito substancialmente diferente do «aluno médio do sistema educativo». Se nem os alunos médios dos cursos de Ciências e Tecnologias ou de Ciências Socioeconómicas (mais de metade destes alunos),  conseguem uma classificação positiva no exame, o exame é adequado? 
E como o exame assume um papel determinante (potencialmente de exclusão) no acesso à Universidade, então o ensino universitário fica reservado para uma... elite (restrita). Ou não?
Mesmo que se concorde que o nível de exigência não é adequado, e que se considere necessário ajustar ou alterar práticas, metodologias, ou privilegiar algumas competências em detrimento de outras, essas alterações devem ser promovidas através de alterações no currículo, da formação de professores, de alterações no processo de ensino e aprendizagem. Os exames devem avaliar a realidade (a cultura, o curriculo e os alunos) que existe(m) e não os que gostaríamos que existissem.
Até quando os exames tentam não interferir com o currículo... fazem-no. Quando tentam não é grande proeza consegui-lo.
Ajustar o sistema de ensino (no grau de exigência, nas práticas ou nos currículos), a partir dos exames, é começar a construção da casa pelo teto... e com os alunos lá dentro!



Publicado/editado: 11/07/2014