1 Sílvio Gama 2 Paulo Correia 3 Carlos Marinho 4 José C. Santos 5 Filipe Oliveira 6 José V. Faria 17º Episódio de..."O que eu disser três vezes é verdade"
1ª Parte Sílvio Gama - Dia 1
“O que eu disser três vezes é verdade”, afirmava o Sineiro, uma das personagens do poema “A caça ao Snark” escrito por Lewis Carroll entre 1874 e 1876. Provavelmente redigida graças aos comportamentos que Carroll observava nos influentes senhores da nação no seu tempo, a frase ecoava agora na mente de João Moreira, que recentemente lera o poema.
Homem de quarenta e muitos, João ia encontrar-se na Brasileira com Afonso Tavares, seu colega de trabalho, para tomar um café e discutir uma proposta que este lhe dirigira.
“João! João!” – acenava-lhe Afonso. “Estou aqui!”
“Olá! Então? Viste aqueles golos do James Rodriguez contra o Uruguai?”
“Olha, João, falamos disso depois. Agora vamos ao que interessa: pensaste naquilo que já te disse não sei quantas vezes? Olha que é um bom negócio e vale bem a pena!”
2ª Parte por Paulo Correia - Dia 6
João não insistiu, de imediato, no tema do futebol... optou pelo silêncio. Já tinha pensado demoradamente no assunto. Para ele o problema não era o dinheiro. Nem sequer colocava dúvidas à legalidade do negócio – era sobretudo uma questão moral!
Sabia também que para o seu colega a situação era quase oposta – era sobretudo uma questão de dinheiro onde as hesitações de ordem ética não tinham lugar.
Mas Afonso insistiu... “Mesmo que não dê para ficarmos ricos, arranjamos dinheiro para um carro jeitoso e para umas boas férias.”
João insistiu na hesitação... “se tivesse sido antes... tínhamos ido ao Brasil... o que teria sido uma sucessão de ironias do destino – teríamos usado o dinheiro dos alemães para ver Portugal... perder com a Alemanha.”
Afonso insistiu com o argumento que lhe pareceu óbvio: “...podemos usar o dinheiro dos árabes para ir ao Qatar daqui a 4 anos... e aí, duvido que Portugal não ganhe ao Qatar.”
João não conteve um sorriso – o futebol toldava-lhe o discernimento!
3ª Parte por Carlos Marinho - Dia 11
Vamos falar a sério! Achas que criar um novo partido político é uma boa ideia?
Claro! Não és tu que estás sempre a dizer que os partidos não respondem aos problemas das pessoas. Tens aqui a tua oportunidade...
- Mas Afonso, tens ideia do trabalho que dá criar um partido em Portugal?
- Claro! Se não tivesse a certeza do trabalho que envolve uma operação destas, não me envolvia…
E pessoas com dinheiro que se identifiquem com o projecto, tens?
Claro! Não te preocupes.
Afonso Tavares acabara de dizer 3 vezes a palavra "Claro" fazendo lembrar Sineiro, a personagem do poema “A caça ao Snark” escrito por Lewis Carroll entre 1874 e 1876 quando afirmou “O que eu disser três vezes é verdade”.
Afonso tirou da sua pasta um dossier que mais parecia os Lusíadas de Luis de Camões. Está aqui tudo o que é necessário para a criação do partido. Pessoas, onde estão incluídos os coladores de cartazes, patrocinadores e mecenas, o nome do partido, algumas pessoas competentes…
4ª Parte por José Carlos Santos - Dia 16
– Mesmo com esses apoios aí mencionados – disse João – parece-me difícil lançar o novo partido. Já pensaste num nome?
– Sim: Movimento Nacional Unitário. É movimento porque as pessoas estão fartas de partidos, Nacional para apelar à direita e Unitário para apelar à esquerda. Só ainda não consegui obter um logotipo, mas já tenho pessoas a trabalhar nisso.
Finalmente, João começou a ficar convencido de que o plano podia funcionar. Durante quase uma hora estiveram a fazer planos, a trocar ideias, a telefonar a várias pessoas a pedir apoio ou sugestões, etc. Chegaram mesmo a esboçar um logotipo. Finalmente, Afonso disse:
– Não tenho dúvidas de que o primeiro congresso poderá ter lugar no fim do ano e de que já poderemos estar em força no terreno nas próximas legislativas.
O João pensou um pouco e, por fim, perguntou:
– E o motivo pelo qual estamos a criar este movimento? Devemos agora falar nisso, não?
5ª Parte por Filipe Oliveira- Dia 21
− Bem, a razão é evidente, é para também ganharmos o nosso, claro! Já se sabe que quando o bolo é gigante, ao nível de um orçamento de Estado, todas as pequenas migalhas que conseguirmos agarrar são na verdade pequenas fortunas. Deve dar para o tal carro e para as tais férias, pelo menos!
− Sim, claro! O que pergunto é o motivo que vamos apresentar publicamente às pessoas...
− Ora, isso é fácil, vamos utilizar o descontentamento geral com a política. Repara que é paradoxal: as pessoas estão fartas de partidos e, com essa desculpa, criamos um novo partido! É como abrirmos mais uma fábrica para combater a poluição, ou construir mais uma barragem para combater a destruição dos ecossistemas ribeirinhos. Eu sei, é ridículo, mas as pessoas alinham, são totós!
− Boa, boa, isso mesmo! O slogan poderá ser “Um partido para acabar com todos os partidos”, ou um disparate desse género. As pessoas adoram estas pseudo-contradições, acham-nas poéticas ou o caraças. Adoram postá-las no Facebook!
− Isso, isso! No outro dia coloquei um ditame meio idiota desse género no meu Facebook: “O feio se torna belo”, ou qualquer coisa desse género. Tive muitos likes...
6ª Parte por José Veiga de Faria - Dia 26
Estava um calor insuportável na esplanada do Rossio onde decorria esta conversa.
Encomendaram mais quatro cervejas, das grandes, sem deixar de lhes ocorrer que daí a algum tempo se acabava a massa para as cervejacas: havia que chegar ao erário público custe o que custar.
Foi então que viram o Francisco que se aproximava agitado. Puxou de uma cadeira e sem mais atirou: - Malta sabem que mais vou formar um partido; isto está uma m…. Ninguém acredita nestes políticos. A signa está escolhida UPH - Único Partido Honesto – querem alinhar?
- Mas já estamos a lançar um com o objetivo bem prosaico de resolver a nossa desesperada situação financeira.
Francisco não cabia em si de surpresa.
Entretanto uma enorme algazarra aproximava-se vinda dos Restauradores: à frente um enorme cartaz, transportado por militantes em transe, seguidos por alucinados meio bêbados, dizia: NEQS – Nós É Que Sim.
Em sentido oposto, subindo a Rua do Ouro vinda do Terreiro do Paço, uma multidão entusiástica, atrás de um painel onde se lia PVC – Partido Verdadeiramente Comunista, entoava em coro: A Lua Brilhará Só Para Nós.
- Que caos, dizia alguém na mesa ao lado da dos nossos amigos, eu sou homem de um só partido.
- Então veja lá se quer que lhe parta o outro, atirou um velho de barbas brancas e testa alta com ar de quem já tinha vivido muito . Isto ainda acaba mal… Isto ainda acaba mal… Isto ainda acaba mal…
FIM