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1ª Parte - Carlos Marinho 2ª Parte - José Carlos Santos 3ª Parte - Filipe Oliveira4ª Parte - José Veiga de Faria 5ª Parte - Sílvio Gama 6ª Parte - Paulo Correia (Fim do episódio...)
1ª Parte por Carlos Marinho
José Bonifácio Queimado fora um político de grande sucesso. Na sua vida, foi sempre um profissional da política. A palavra que mais adoptou ao longo da sua carreira foi "cortar". Cortar ordenados, pensões, na educação na saúde, até fez cortes na esperança das pessoas. Mas nem sempre foi assim. Quando era jovem, cheio de energia, o seu pensamento indómito era ficar na história como o político que fez bem ás pessoas. Gostava de ser recordado como alguém que ajudou os que mais precisava. Contudo, num abrir e fechar de olhos, a bússola que o guiava estragou-se. Fez de tudo, mas tudo ao contrário.
Agora aos 72 anos, velho, esquecido, amargurado, já reformado, ao escrever as suas memórias soltou desesperado: - Nunca ficarei na história! Na história ficam pessoas como Ghandi, Mandela, Martin Luther King, Madre Teresa de Calcutá…
2ª Parte por José Carlos Santos
A mulher do José Bonifácio tinha entrado no escritório dele para lhe lembrar que eram horas do lanche e ouviu-o a fazer aquele desabafo. E não era a primeira vez que o ouvia a dizer isso. Quando saiu do escritório, foi falar disso com o neto Samuel, um jovem estudante de Filosofia.
Mais tarde, após ter reflectido sobre o assunto, o Samuel foi conversar com o avô. O José Bonifácio era uma pessoa pouco acessível, mesmo para os familiares, mas o Samuel sabia como lidar com ele e, além disso, era o seu neto favorito.
Depois de explicar ao avô que estava a par da sua grande frustração, Samuel quis saber porque é que o avô achava que não ficaria na história. «Porque» - respondeu o avô - «aquilo que fiz estes anos todos foram tarefas que deixam más recordações às pessoas. Eram coisas que tinham que ser feitas e eu fi-las com eficácia, mas o resultado foi que agora sou detestado por quase toda a gente.»
O Samuel fez então notar ao avô que não é raro uma pessoa ficar na história por um único evento, desde que seja algo de uma natureza excepcional.
3ª Parte por Filipe Oliveira
Samuel notou também que há autores de grandes feitos que nunca ficaram na História. Quem concebeu a primeira lente? Terá mesmo sido Roger Bacon? É francamente duvidoso...Depois, há aqueles que ficaram na história pelas razões erradas. Oliver Heaviside, grande precursor do cálculo vectorial e um dos mais importante pioneiros do estudo matemático dos circuitos electricos é hoje apenas conhecido de milhões de estudantes de engenharia por dar o nome a uma função absurdamente simples, a função característica dos reais positivos...
-Pensas mesmo Samuel?
-Claro Avô, e lembra-te que 30 anos é um tempo extremamente curto para se julgarem medidas que tocam as pessoas de muito perto. É a natureza humana, a opinião pública reage muito a quente e sem perspectiva a tudo o que lhe é desfavorável no imediato. Oswaldo Cruz, hoje um heroi brasileiro, não podia andar na rua sem forte escolta policial no início do século XX, quando elaborou o primeiro plano de vacinação pública obrigatória.
A História irá julgar-te, é certo, mas nos tempos da História, não nos tempos dos homens...
4ª Parte por José Veiga de Faria
José Bonifácio sentiu-se no meio de fogos cruzados: por um lado estava desvanecido com a inteligência, maturidade e preparação do neto mas, por outro, sentia-se arrasado com o atestado de estupidez que ele acabava de lhe passar. Tomar como objetivo de vida ficar na História parecia-lhe agora uma imbecilidade suprema.
- E além disso o que é a História? continuava Samuel embalado. Napoleão descrevia-a como um conjunto de mentiras que uma dada época histórica resolveu tomar como verdadeiras. Eu cá por mim guiava-me pela minha consciência e evitava colocar o meu centro de gravidade nos outros atuais ou futuros. E tu, que és bem formado e cristão, porque não deixas que seja apenas Deus a julgar-te?
Bonifácio não esperava tal. Afinal a sabedoria estava com os idosos ou com a juventude preocupada e instruída quando bem formada? Decididamente a sociedade já não era uma tribo primitiva…
5ª Parte Sílvio Gama
Bonifácio sentia-se cansado. Para arejar um pouco, resolveu ligar o rádio. Ouviu, então, a cantiga que passava
“…
que força é essa, amigo
que te põe de bem com outros
e de mal contigo
…”.
Como que num flash, estas palavras obrigaram Bonifácio a recordar-se dos que tiveram de imigrar, dos que perderam o emprego, dos que comeram nas cantinas sociais, dos que não tinham dinheiro para pagar remédios, dos filhos que alimentaram as suas famílias com as reformas dos pais, das crianças que foram para escola comer a 1ª refeição do dia, etc., etc., etc..
Sentia-se agora mal, mas naqueles tempos sentia-se bem com os elogios dos senhores que o felicitavam, vezes sem conta, pela coragem política das suas medidas.
O seu país continuava igual ao país que já existia, quando começou a governá-lo, há duas décadas atrás.
6ª Parte por Paulo Correia
De repente sentia-se mais inclinado para ceder à lição do neto - ficar na História era um objetivo de vida imbecil!
A escrita das memórias parecia agora uma ideia igualmente imbecil - nunca tinha tido boa memória… Ao olhar para a secretária viu muitos documentos, alguns que já nem sabia a que diziam respeito; um portátil ligado a disco externo em que apenas uma pequena parte das pastas era consultada e atualizada e várias lembranças de colóquios e viagens de que já não conseguia recordar os detalhes. Havia ainda uma foto da sua filha com o Samuel, ao lado de um desenho antigo com a inscrição “Para o avou” - destes lembrava-se bem!
As memórias eram como as decisões políticas… as melhores não eram as mais interessantes, não serviam para ficar na História!
Emocionou-se, despontaram umas lágrimas e uma pontada no coração. Apesar da dor intensa, sorriu enquanto se recostava na cadeira e fechava os olhos.
Talvez pudesse ficar na História como o avô do Samuel…
FIM