Sabe o leitor que um número significativo dos pintores que revolucionaram a pintura no período renascentista eram também matemáticos, ou tinham fortes conhecimentos de matemática? De facto, tanto Filippo Brunelleschi (1377--1446), como Piero della Francesca (1420--1492), Leonardo da Vinci (1452 --1519) e Albrecht Dürer (1471–1528) conheciam bem a geometria de Euclides. O arquitecto (entre muitas outras coisas!) Leon Battista Alberti (1404--1472), escreveu mesmo, na sua obra "De Pictura" publicada em 1436: «Estes nossos elementos onde se explica toda a perfeita e absoluta arte de pintar serão facilmente entendidos por um geómetra. Mas aquele que é ignorante em geometria não entenderá nem estas, nem quaisquer outras razões subjacentes à pintura. Afirmo pois que é necessário a um pintor aprender geometria.» E Leonardo da Vinci deixou escrito entre as suas notas: «Non mi legga chi non e matematico», ou seja, «Não me leia quem não é matemático.» Curioso, não é?
Está o leitor consciente de que o papel desempenhado pela Matemática na revolução científica dos séculos XVI a XVIII, assim como na revolução tecnológica do século XX é enormíssimo? Apesar de passar despercebida, a Matemática está bem presente:
--- nos telemóveis e nos leitores de CDs, através dos códigos correctores de erros, que usam espaços vectoriais sobre corpos finitos e teoria de Galois, sem os quais esses aparelhos ubíquos nos dias de hoje simplesmente não existiriam;
--- nos TACs, através da transformada de Radon que permite fazer aquilo a que se chama reconstrução tomográfica;
--- em toda a Criptografia moderna, através de resultados vários de Teoria de Números, e que é usada sempre que alguém vai a uma caixa multibanco ou acede a uma página segura via internet, permitindo ainda fazer assinaturas digitais que vieram tornar possível fazer contractos via internet, o que revolucionou o modo de fazer negócios.
Isto só para dar uns exemplozitos... E sem referir o enorme papel que a Matemática teve na construção das próprias civilizações humanas, pois foi essencial para estudar os movimentos dos corpos celestes, permitindo estabelecer calendários, essenciais para uma agricultura planeada sem a qual nós não estariamos aqui hoje, eu a escrever estas linhas e o leitor a lê-las...
Por que razão, então, a grande maior parte das pessoas desconhece tudo isto, sem fazer a minha ideia da utilidade da Matemática, não sendo capaz de dar exemplos que vão além do simples contar e fazer contas? Uma das razões tem certamente a ver com a invisibilidade das suas aplicações. Passo a explicar. Quando alguém abre o capô de um carro pode admirar alguns dos frutos da engenharia moderna, mesmo que não perceba nada de mecánica; pode admirar as maravilhas dos novos ecrãs de alta definição mesmo que nada saiba de electrónica; pode facilmente admirar as máquinas sofisticadas usadas pela medicina moderna... Mas quem se der ao trabalho de abrir um telemóvel certamente não verá os códigos correctores de erros, nem decompondo a máquina que faz um TAC verá a transformada de Radon... É que a Matemática está implementada ao nível do software ou está por detrás da concepção do instrumento, ou ainda das ideias que levaram ao desenvolvimento das tecnologias. Não é pois visível a "olho nu"...
Na obra "Mathematics: People, Problems, Results" (Wadsworth, 1984), Douglas M. Campbell e John C. Higgins escrevem (vol. I, p. 255) escreveram: «Os matemáticos adoram a Matemática pela sua beleza e ordem. A sociedade tolera a Matemática por ser tão útil.»
Que a Matemática é útil por ter inúmeras aplicações não pode haver qualquer dúvida, mas o que será a sua «beleza»? Bem, se o lado das aplicações directas é invisível, o outro, o da beleza, é-o ainda mais. Vamos lá ver se o consigo tornar um pouquinho mais visível nesta rubrica, nos meses que se seguirão. Mas que isto não impeça o leitor de o tentar descobrir por si próprio…
[Reedição da rubrica de Março de 2011, com algumas actualizações]