1ª Parte por José Carlos Santos
A Alice começou a acordar, com a sensação vaga de que algo estava errado. A cama não parecia ser a sua e havia uma luz acesa, quando ela dormia sempre às escuras. Começou lentamente a tomar consciência do que a rodeava. As paredes do compartimento onde se encontrava eram de cimento e a luz vinha de uma lâmpada fluorescente que estava no tecto. Que local seria aquele?
Desde nova que tinha consciência de os pais recearem que fosse raptada, por ser filha (única) de um casal abastado. Mas desde que chegara à idade adulta esse receio esmoreçera, pois sabia tomar conta de si própria e levava uma vida tranquila, trabalhando como bancária e tendo uma vida social pouco intensa.
Olhou à sua volta. Tudo indicava estar em algum tipo de cela. A cama, muito simples, estava encostada a uma parede. Não havia qualquer elemento decorativo e o único móvel além da cama era um armário. Como teria ido ali parar? A última coisa de que se recordava era de ter ido jantar com amigos e ter começado a ter muito sono. Ter-lhe-iam drogado as bebidas?
2ª Parte por Filipe Oliveira
⁃ Bom dia Joana!
⁃ Quem...quem está aí?
⁃ Não tenhas medo Joana, está tudo bem!
⁃ Não me chamo Joana, chamo-me Alice!
⁃ Não, minha querida, não te chamas Alice, chamas-te Joana, mas teremos muito tempo para falar sobre esse assunto...
O misterioso interlocutor de Alice apareceu de repente à sua frente, em contra-luz. Alice não lhe conseguia ver as feições, mas percebeu tratar-se de um homem na casa dos 50 anos, vestido de forma simples, mas elegante.
Uma outra voz fez-se ouvir, mais atrás:
⁃ Pai, pai, a Joana já acordou?
⁃ Calma, Maria, ainda está a acordar lentamente. Está confusa, como seria de esperar. Porque não te sentas um pouco ao pé dela?
Alice viu então Maria, que se sentou ao fundo da sua cama. Não queria acreditar, era a sua cópia exacta, um pouco como ver-se ao espelho. Sentiu uma tontura e as pálpebras, pesadas, a fecharem-se de novo.
3ª Parte por José Veiga de Faria
Quando por fim acordou mesmo, viu que estava no seu quarto. O dia estava lindo, cheio de sol.
As imagens da noite agigantavam-se no seu espirito. Tinha dormido atormentada com o pânico de ser raptada. Mas que tipo de rapto lhe causava tanto pavor? Ela, que era aluna interessada de Psicologia, estava familiarizada com os processos, descritos por Freud, que intervinham na elaboração de um sonho e sabia que associação livre de ideias era o caminho para chegar, a partir do conteúdo manifesto, ao conteúdo latente do mesmo. Pensou nos pais, que tanto gostavam dela, mas que queriam metê-la numa forma para lingotes de ouro onde não cabia. Ela vivia em luta constante para preservar a sua forma de ser, pensar e sentir. Não era difícil encontrar uma interpretação para estes sonhos que deixasse claro que o conteúdo latente traduzia essa luta titânica. Raptada sim mas de si própria.
Lembrava-se de ter discutido o assunto com um tio já velhote que lhe contou que numa antiga revista chamada Seara Nova tinha aparecido uma referência jocosa a um jovem tenente (aparecia a imagem) que gerava outro igualzinho incrivelmente e assim por diante (várias imagens iguais) até que um dia apetece à gente uma omelete de repente…(e aparecia o boneco já sem farda a dar um enorme salto de alegria e liberdade…). Sim ela queria uma omelete de repente…
4ª Parte Sílvio Gama
Sim, uma omelete com seis ovos, queijo, salsa e cogumelos. Hum... Seis ovos? Se houvesse ovos de avestruz à venda, um único ovo deveria ser suficiente. Alto lá! Alto lá! Quem tem mais dificuldade em pôr ovos? A galinha ou a avestruz?
Alice começou a estranhar a cadeia de pensamentos do paralelo infinito que cavalgavam na sua mente. “Que se passa comigo?” Levantou-se da cama, calçou as pantufas e dirigiu-se à cómoda para buscar os óculos. Aí encontrou uma carta amarrotada e umas pastilhas amarelas florescentes juntas a um copo de água. Pegou na carta e com as mãos alisou-a no tampo da cómoda.
5ª Parte por Paulo Correia
Alice bebeu a água e sorriu ao constar que as pastilhas não tinham uma etiqueta a dizer “toma-me”... mas era quase como se tivessem, e às vezes faziam-na crescer, outras faziam-na ficar mais pequena.
A carta amarrotada era a carta que Alice nunca tinha coragem de entregar.
Talvez a Joana ou o tenente fossem versões de si mesma que tinham entregue a carta… a carta era a chave da cela, que nunca tinha tido coragem de usar.
A cela em tinha vivido seria uma proteção de um mundo mais agreste, ou a privação de uma realidade melhor?
A carta não servia para ler - sabia de cor o seu conteúdo. Servia para rasgar, servia para enviar (talvez numa versão melhorada) ou para voltar a guardar na cómoda.
De repente já lhe apetecia mais uma pastilha do que uma omelete!
6ª Parte por Carlos Marinho
Após 10 dias em coma, Joana acordou mas com sérios problemas de alucinações. A droga, conhecida como o "Ovo de Colombo" que lhe deram enquanto esteve sequestrada, estava a fazer efeito. Esteve 1 mês sequestrada por um grupo que exigia que o seu pai, o famoso juiz Ricardo Vaz Belmonte, libertasse um prisioneiro em troca da sua liberdade. Não foi preciso. A policia num ataque minucioso e cirúrgico resgatou Joana. Por falar em policia, o quarto do hospital parecia um bunker, com 2 policias na porta e mais dois ao fundo do quarto. Dois inspectores exigiram interrogar Joana. Ouviu-se uma discussão acesa entre o juiz e um dos inspectores:
- Não permito! - disse o juiz.
- Mas é importante ela falar agora! - gritou o inspector.
Joana muito fraca e atordoada disse:
- Essa voz, é a mesma voz que vezes sem conta que me dizia que só me libertava se o meu pai libertasse alguém que estava preso…
Fez-se um silêncio intrigante. Joana estaria a alucinar de novo?
FIM