(U)Ma Temática Elementar por José C. Santos

Eixos de Opinião novembro de 2014

 


A Matemática elementar tem muito que se lhe diga. Embora nos seja familiar, é sempre possível encará-la de um ponto de vista novo ou inesperado.                       

José Carlos Santos - Departamento de Matemática da FCUP              


Dia 21 de cada mês

                 


Artigo José Carlos Santos em (U)Ma Temática Elementar

Artigo de dezembro de 2014

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Título: Pi (continuação)

Em Abril, falou-se aqui do número π e ficou para o mês seguinte a continuação, ou seja, um texto sobre o que se descobriu sobre π após Ferdinand Lindemann ter provado que não é solução de nenhuma equação polinomial com coeficientes inteiros (fora a equação 0=0). Com uns meses de atraso, aqui está esse texto.

Uma das primeiras pessoas a contribuir com resultados relativos a π após Lindemann foi o matemático indiano Ramanujan. Já se sabia no tempo dele que o problema da quadratura do círculo (construir com régua não graduada e compasso um quadrado com a mesma área que a de um círculo dado) não tem solução; isto é uma consequência do que Lindemann provou. Isso não impede que se procurem soluções aproximadas desse problema. Foi o que fez Ramanujan em 1913: ele mostrou como construir usando somente régua não graduada e compasso um quadrado que teria a mesma área que a de um círculo dado caso π fosse igual a 355/113. Como este último número é igual a 3,1415929… e como π é igual a 3,141592653…, o erro é bastante pequeno. O facto de 355/113 estar bastante próximo de π já era conhecido desde a antiguidade, mas após Ramanujan ter obtido a construção atrás mencionada, ele descobriu «por métodos empíricos» (expressão dele) que uma aproximação ainda melhor de π é a raiz quarta de 2143/22 (que é igual a 3,141592652…) e fez uma construção aproximada da quadratura do círculo baseada neste facto.

Mas a principal contribuição de Ramanujan para o estudo de π vem de uma série que ele obteve cuja soma é 1/π e que converge muito rapidamente. Isto permite obter π com um elevado número de casas decimais.

Naturalmente, até ao início do século XX o cálculo de π era feito à mão. Quando surgiram as calculadoras e os computadores, estes foram rapidamente foram empregues para calcular π com um elevado número de casas decimais. O primeiro cálculo deste tipo foi feito em 1949 com uma calculadora e obteve 1120 algarismos de π. No mesmo ano, uma equipa de matemáticos dos quais fazia parte John von Neumann, recorreu a um dos primeiros computadores, o ENIAC (Electronic Numerical Integrator And Computer) para calcular mais de 2000 algarismos de π. Mas um computador só faz os cálculos que lhe mandam fazer. Para se obter π com muitas casas decimais é preciso dispor-se de algoritmos que permitam calcular esses algarismos num tempo razoável. Um tal algoritmo, que não tem a ver com somas de séries, foi desenvolvido nos anos 70 do século XX a partir de ideias de Gauss e de Legendre. Tomam-se como ponto de partida os seguintes números:


 a0 = 1;
 b0 = raiz quadrada de 1/2;
 t0 = 1/4;
 p0 = 1.

Em seguida definem-se:


 a1 = média aritmética de a0 e de b0;
 b1 = média geométrica de a1 e de b1;
 t1 = t0 – p0(a0 – a1)2;
 p1 = 2p0.

O passo seguinte consiste em definirem-se:


 a2 = média aritmética de a1 e de b1
 b2 = média geométrica de a2 e de b2;
 t2 = t1 – p1(a1 – a2)2;
 p2 = 2p1

e assim sucessivamente. Acontece que o quociente da divisão de (an + bn)2 por 4tn é uma boa aproximação de π e, naturalmente, quanto maior for n, melhor é a aproximação. E os quocientes em questão aproximam-se muito depressa de π. Por exemplo, com n = 3, obtém-se 3,1415926535897932382… e só o último destes algarismos é que não está certo.

A busca por melhores algoritmos para calcular π não parou. O mais recente tem menos de 20 anos e deve-se ao matemático canadiano Simon Plouffe.

Também se tem continuado a estudar a natureza do número π. A grande questão em aberto sobre este tópico é a de saber se π é ou não normal. O conceito de número normal foi introduzido por Emile Borel em 1909 e consiste no seguinte:
 se b for um número natural maior do que 1, diz-se que o número real x é normal na base b se, ao o exprimirmos na base b, cada algarismo aparecer aí com a mesma frequência, cada sequência de dois algarismos aparecer aí com a mesma frequência e assim sucessivamente;
 diz-se que um número real x é normal se for normal em todas as bases.

Posto assim, parece que é extraordinariamente difícil que um número seja normal, mas, de facto, pode-se provar que quase todos os números reais são normais. Mas por outro lado, não se conhece nenhum exemplo concreto de um número normal. Será que π é um tal número? Ninguém sabe!

Publicado/editado: 22/12/2014