Valor Absoluto por Paulo Correia

Clube de Matemática SPM - Eixos de Opinião janeiro de 2015



 


Opiniões, reflexões e observações, sem pretensões... A Matemática, o Ensino da Matemática e outros aspetos relacionados, serão por aqui vistos e comentados, com algum humor - sempre pelo lado positivo e "moduladas" pelo exercício da profissão docente.              

 

Paulo Correia - Professor de Matemática da Escola Secundária de Alcácer do Sal e responsável pela página mat.absolutamente.net     

Valor Absoluto por Paulo Correia  

artigo de janeiro de 2015 - Dia 11  

Título:
Depois de 12, 36 e 48, vem... 510


No outro dia o meu filho disse-me: «olha pai, descobri uma coisa engraçada - 12 é 1+1=2, 24 é 2+2=4 e 36 é 3+3=6 » Confesso que no início não dei muita atenção, sorri e disse qualquer coisa simpática e pensei: «descobriu os múltiplos de 12».
Depois, pensei melhor e perguntei-lhe quais seriam os termos seguintes da sequência (usando um vocabulário menos técnico e mais adequado)… ele continuou pelo 48, hesitou e continuou pelo 510, 612, 714, 816, 918 e precisou de alguma ajuda para continuar para o 1020…
Como conheço, na Internet, uma coleção de sequências de números inteiros, fui verificar se a sequência do meu filho já tinha sido encontrada. E... lá estava, desde setembro de 2011- http://oeis.org/A019550.
A ideia do rapaz não era suficientemente original (já tinham pensado no mesmo), nem exatamente irrelevante (porque alguém se deu ao trabalho de registar e pensar um pouco mais sobre ela). Ainda assim, na «ficha técnica» da sucessão não estava qualquer informação sobre a minha primeira conjetura… já que os números não eram todos os múltiplos de 12, seriam todos os números múltiplos de 12? 
Como já estava no computador, usei uma folha de cálculo, e descobri rapidamente que 510 não é um múltiplo de 12 (claro que poderia tê-lo conseguido sem o computador, mas sem qualquer ironia, posso afirmar que, ao contrário do que se diz muitas vezes, o papel e lápis estão, por vezes, menos acessíveis que um computador, um tablet ou um smartphone - pelo menos na minha sala).
Aproveitei a folha de cálculo e verifiquei se os termos eram todos múltiplos de outros inteiros - e verifiquei que eram todos múltiplos de 2, 3 e 6.
Aí o trabalho da folha de cálculo terminou (sim, porque os adeptos da utilização das tecnologias conhecem bem as suas limitações)… mas fiquei curioso sobre a hipótese de demonstrar isto mesmo.
A divisibilidade por 2 foi fácil, como a “parte final” de cada número, é o dobro da “parte inicial”, a parte final é par, logo os números são pares.
Percebi que como 2 e 3 são primos entre si, se conseguisse provar a divisibilidade por 3, ficaria imediatamente provada a divisibilidade por 6, pelo que demonstrar que a divisibilidade por 6 não seria merecia o investimento.
A divisibilidade por 3, não foi imediata, mas após algumas tentativas, percebi que como a “parte final” do número é o dobro da “parte inicial”, então a soma dos algarismos do número é o triplo da “parte inicial”, ou seja, a soma dos algarismos do número é um múltiplo de 3, e por isso, o próprio número é um múltiplo de 3.
Num contexto acessível e significativo para os alunos, conceitos como conjetura, verificação, demonstração, lema ou contra-exemplo podem ser desenvolvidos e interiorizados (mesmo sem a memorização da definição). Uma tarefa sustentada na exploração e discussão desta sequência, visando a demonstração de que os termos são múltiplos de 6, deve desenvolver muito mais o raciocínio dos alunos e a sua compreensão profunda do papel da demonstração do que sequências de símbolos muito formais (e corretas) mas (quase sempre) sem significado, para os alunos, como as que o programa do ensino básico agora propõe e recomenda.

 
Publicado/editado: 11/01/2015