À Distância... por Daniel Folha

TÍTULO: À DISTÂNCIA... DOS TELESCÓPIOS


Há pouco mais de 400 anos uma revolução científica estava prestes a eclodir. O instrumento dessa revolução: o telescópio. Galileu Galilei fez o que nunca ninguém tinha feito, apontou um telescópio para o céu de forma sistemática e fez observações de diversos objectos celestes, entre eles a Lua, o Sol e os planetas então conhecidos. Em Março de 1610 publicou Siderus Nuncius, o Mensageiro Celeste, obra que é considerada como sendo o primeiro tratado científico de astronomia baseado em observações com telescópio. Essas observações iriam, a seu tempo, levar ao abandono do geocentrismo e ao estabelecimento do heliocentrismo proposto por Copérnico no século XVI.


Desde Galileu que os telescópios são instrumentos constantemente aperfeiçoados e melhorados. Hoje em dia são máquinas de grande sofisticação, que incorporam tecnologia de ponta a todos os níveis, nomeadamente mecânico, óptico e electrónico. Estes telescópios são os nossos olhos para o universo, e permitem vê-lo em todas as bandas do espectro electromagnético.


Uma componente fundamental do telescópio é a objectiva, cuja tarefa é colectar a radiação que nos chega vinda dos astros. Num telescópio óptico, os que observam o universo em radiação infravermelha, óptica ou ultravioleta, a objectiva é uma lente ou um espelho. Ao longo dos tempos foram sendo construídos telescópios com objectivas cada vez maiores. O primeiro telescópio utilizado por Galileu tinha uma lente com 15 milímetros de diâmetro, hoje em dia os maiores telescópios ópticos têm como objectivas espelhos com diâmetros a rondar os 10 metros. Um grande salto na dimensão dos telescópios ópticos ocorrerá durante esta década, com o desenvolvimento e construção de telescópios ópticos com objectivas que pelo menos duplicam o diâmetro das maiores que hoje existem. O Extremely Large Telescope, do Observatório Europeu do Sul (ESO), organização internacional da qual Portugal é membro de pleno direito, terá uma objectiva com 42 metros de diâmetro e prevê-se que esteja em operação antes de 2020.


Qual a motivação para a construção de telescópios cada vez maiores? Um telescópio astronómico tem duas funções fundamentais: colectar radiação e separar as imagens de objectos contíguos. Quanto maior for a objectiva de um telescópio melhor são realizadas estas duas tarefas. Pensemos em cada uma delas com um pouco mais de detalhe.


Quando passamos rapidamente de um local com muita luz para um local escuro perdemos temporariamente a visão. No entanto, ao fim de alguns segundos, após nos adaptarmos à escuridão, começamos a ver alguns objectos à nossa volta. Pergunta o leitor, mas o que é que isto tem a ver com os telescópios? A quantidade de luz que entra nos nossos olhos depende da abertura da pupila do olho. Quanto mais aberta estiver a pupila mais luz chega à retina. Nas situações de escuridão a pupila dilata-se para permitir a entrada de mais luz e nós conseguimos ver objectos muito pouco brilhantes. Num telescópio o papel da pupila é desempenhado pela objectiva. Quanto maior a objectiva mais radiação entra no telescópio, permitindo observar objectos celestes menos brilhantes. A quantidade de luz que entra no telescópio é directamente proporcional à área da objectiva e, consequentemente, é proporcional ao quadrado do seu diâmetro.


Quem nunca viu um veículo de noite ao longe, numa estrada, identificando-o apenas como uma luz que se aproxima? Pode ser, por exemplo, um automóvel ou uma moto, mas como vemos apenas uma luz não conseguimos estabelecer se é um ou outro. Se for um automóvel, quando ele estiver suficientemente próximo de nós começaremos a ver duas luzes onde anteriormente só víamos uma! A distância a partir da qual as duas luzes se vêem separadamente depende do tamanho dos nossos olhos e da distância entre eles. A capacidade de ver separadamente objectos contíguos é designada por poder resolvente. Quanto maior o poder resolvente, maior a capacidade em identificar separadamente objectos contíguos, e maior a capacidade de observar detalhes e formas nesses objectos. A aplicação das leis da óptica a um telescópio diz-nos que o poder resolvente do telescópio é directamente proporcional ao diâmetro da sua objectiva.


Quando Galileu apontou o seu pequeno telescópio para Júpiter, no lugar do ponto brilhante que via à vista desarmada, observou um pequeno disco brilhante rodeado por quatro “estrelas” relativamente ténues, mas bem visíveis, e pode constatar que de noite para noite estas “estrelas” se movimentavam em volta de Júpiter. Galileu tinha acabado de descobrir que nem tudo girava à volta da Terra! As “estrelas” são afinal satélites naturais de Júpiter. Quando olhou para Vénus, Galileu observou que este planeta apresentava fases tal como a Lua, e que a evolução das fases de noite para noite não era compatível com um movimento daquele planeta em volta da Terra, mas sim em volta do Sol. O geocentrismo estava finalmente destronado. Uma nova era científica tinha começado.


Hoje colocam-se telescópios no espaço, em altas montanhas ou em desertos onde não são afectados por poluição luminosa. Têm dispositivos que compensam a distorção das imagens celestes provocada pela atmosfera terrestre, têm espelhos gigantes produzidos com precisões incríveis, são feitos para captar luz visível, ondas rádio, raios-X, entre outros, têm acoplados instrumentos com tecnologia de ponta que detectam a radiação, mas sobretudo continuam a ser instrumentos de descoberta e de mudança, tal como foi a pequena luneta que um dia Galileu resolveu apontar para o céu.

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Seguem quatro links com imagens interessantes:

http://www.eso.org/public/images/gerd_huedepohl_2/

http://www.eso.org/public/archives/images/screen/eso0021ac.jpg

http://www.eso.org/public/images/yblaser-potw/

http://www.eso.org/public/images/elt_plane/


Muitas mais em http://www.eso.org/public/images/



Publicado/editado: 13/02/2011