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Opiniões, reflexões e observações, sem pretensões... A Matemática, o Ensino da Matemática e outros aspetos relacionados, serão por aqui vistos e comentados, com algum humor - sempre pelo lado positivo e "moduladas" pelo exercício da profissão docente. Paulo Correia - Professor de Matemática da Escola Secundária de Alcácer do Sal e responsável pela página mat.absolutamente.net |
Há algum tempo o cartoonista Zach Weinersmith (habituado a usar Matemática e conceitos matemáticos no seu trabalho), publicou um cartoon sobre a representação do π, sobre a forma de fração.
Cartoonista Zach Weinersmith - Reproduzido com autorização expressa do autor
O cartoon, como é apanágio dos bons cartoons, pode ser intrepretado sob diferentes dimensões, valorizando mais ou menos um ou outro aspeto, mas interessa dedicar alguma atenção à dicotomia entre o que poderíamos traduzir por “aluno de 5 a matemática” e “futuro matemático”.
Uma hipótese será negar a diferença entre os dois tipos de alunos, mas serão uma minoria os que não reconhecem algum grau de familiaridade com estes esteriótipos. Continuando um raciocínio estereotipado, e portanto assumidamente exagerado, podemos colocar a questão: Que bons alunos pretendemos formar?
A simpatia envergonhada que nutrimos pelo bom aluno, quase zangado, do lado direito contrasta com a valorização tradicional do bom aluno, simpático, do lado esquerdo.
A tentação de identificar competências e metas com as personagens do cartoon é irresistível. O exercício de enquadrar cada uma das representações com a capacidade de argumentação e a memorização também nos pode ocorrer. Escolher cada um dos “tipos de bons alunos” para ilustrar uma metodologia centrada na resolução de problemas e em atividades de investigação e outra virada para o treino de algoritmos e automatismos sustentados em fórmulas também é uma hipótese. Podemos ainda especular sobre o desempenho do “bom aluno zangado” em exames e testes supostamente rigorosos e fiáveis. E poderíamos continuar...
Naturalmente um balanço adequado entre as duas perspetivas tem tanto de desejável como de difícil. Estamos habituados a valorizamos o “bom aluno simpático” - esta parte do balanço não deixará as práticas dos professores tão cedo. Valorizar o “bom aluno zangado” não é algo natural na tradição escolar, tem sido recomendado pela investigação e exige um esforço continuado nesse sentido.
Da mesma forma que é consensual que um “bom aluno” necessita do conhecimento de procedimentos e factos para estruturar o seu raciocínio, argumentação e a capacidade de resolver problemas, todos reconhecem que a capacidade de fazer boas perguntas é tão importante como dar boas respostas. É essencial criar condições para que os alunos tenham tempo ou espaço para formular perguntas, ou oportunidades para valorizar as respostas menos convencionais, mas com um potencial extraordinário que pode fazer a diferença entre a aprendizagem significativa ou um treino efémero e aborrecido. A Escola e o Ensino da Matemática estão e devem procurar acompanhar a tendência internacional da promoção da criatividade e afastar a lógica de “linha de montagem” com padrões e normas (e metas) standartizados, com um controlo de qualidade cada vez mais “apertado” mas com menos qualidade.
Estamos a tentar formar bons alunos, mas a negligenciar a formação de alunos ainda melhores!
Talvez seja exagero afirmar que os professores (e a sociedade) valorizam os bons alunos “simpáticos”, com a expetativa, quase secreta (e quase perversa) da emergência de uns bons alunos “zangados”... talvez não seja exagero!