Valor Absoluto por Paulo Correia

Clube de Matemática SPM - Eixos de Opinião novembro de 2015


 


Opiniões, reflexões e observações, sem pretensões... A Matemática, o Ensino da Matemática e outros aspetos relacionados, serão por aqui vistos e comentados, com algum humor - sempre pelo lado positivo e "moduladas" pelo exercício da profissão docente.              

 

Paulo Correia - Professor de Matemática da Escola Secundária de Alcácer do Sal e responsável pela página mat.absolutamente.net     


Valor Absoluto por Paulo Correia - Ética tecnológica 

Clube de Matemática SPM - Eixos de Opinião novembro de 2015  

Título:  
Ética tecnológica


Recentemente têm sido divulgadas notícias sobre a proibição de telemóveis nas aulas. Normalmente estas notícias são bem acolhidas por todos os que recordam ou imaginam os alunos a enviar mensagens durante as atividades letivas. Mas serão os sms assim tão diferentes dos “papelinhos” com mensagens que todos passaram nas aulas enquanto estudavam? Felizmente, nessa altura ninguém pensou em proibir a utilização de papel ou caneta. A opção foi sempre a crítica da ação e não do suporte material que sustentou a ação… julgo que foi uma boa opção.


No caso específico das aulas de Matemática, a situação é ainda mais complexa… são frequentes as situações em que a utilização da calculadora é relevante e os alunos não as trouxeram para as aulas, embora tenham consigo smartphones ou tablets.

As aplicações dos dispositivos de comunicação móvel começam a ultrapassar os desempenhos tecnológicos das calculadoras tradicionais, com um potencial educativo extraordinário, a um custo mais reduzido, e com uma aceitação maior por parte dos alunos.

Será inteligente ou racional não usar estes equipamentos na aula de Matemática?


Podemos estender este raciocínio mais longe ainda… é solicitado aos alunos que comprem calculadoras para utilizarem na aula de Matemática, e no ensino secundário, estes dispositivos têm custos equivalentes a um smartphone ou a um tablet. As calculadoras são utilizadas apenas na escola, apenas num número reduzido de disciplinas, e mesmo nessas, apenas numa parte das aulas ou dos momentos de avaliação formal. Os smartphones e os tablets são transversais a várias atividades de uma boa parte dos estudantes… é muito estranho que a escola, e o ensino da Matemática insistam em manter-se à distância - sempre agarrada às práticas e aos elementos tecnológicos do século passado. Continuamos a discutir a utilização da calculadora nas aulas de matemática sem nos apercebermos que a sociedade já as substituiu por dispositivos mais interessantes!


Claro que a utilização de dispositivos de comunicação móvel levanta dificuldades “não negligenciáveis” em situações de avaliação tradicional. A realização de um teste com acesso livre a dispositivos de comunicação levanta questões práticas e questões éticas fáceis de enumerar, mas só mesmo em contextos de avaliação formal é que estas dificuldades são significativas… Eventualmente a avaliação das competências dos alunos na utilização da tecnologia para resolver problemas de matemática poderá passar por processos semelhantes à avaliação da oralidade nas línguas estrangeiras, ou avaliações semelhantes às de “procedimentos laboratorias” nas ciências, ou até evoluir para a valorização da capacidade de integrar de redes para desenvolver projetos e resolver problemas colaborativamente em comunidades alargadas de estudantes.


Os desafios de avaliar a capacidade de utilizar a tecnologia para resolver problemas matemáticos podem, e devem, ser equacionados. Podemos estabelecer cenários, estudar as melhores práticas (e as mais inovadoras), testar procedimentos e munirmo-nos das mais variadas cautelas. Mas continuar a proibir telemóveis ao mesmo tempo que é solicitada a compra de calculadoras, inibir a utilização de tablets enquanto se força a utilização de calculadoras gráficas, apregoar uma melhor integração da escola na sociedade da informação enquanto nos incomodamos com a capacidade de comunicação dos nossos alunos é uma inconsistência que nos deve incomodar!


Publicado/editado: 11/11/2015