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Distâncias (quase) infinitamente grandes e distâncias (quase) infinitamente pequenas estão intrinsecamente relacionadas no Universo de que fazemos parte e que aos poucos vamos tentando conhecer melhor. Nesta rubrica escreverei algumas palavras, e números (!), sobre o Universo que vemos quando olhamos para um céu estrelado numa noite límpida. Uma modesta contribuição para ajudar a reflectir sobre a nossa posição no contexto cósmico.
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Sírio é a estrela mais brilhante no céu. Durante o mês de Abril pode ser observada olhando aproximadamente para sudoeste imediatamente a seguir ao por do Sol. Situada a 8,6 anos-luz do Sistema Solar é uma das estrelas mais próximas de nós. Como sabemos a que distância estão as estrelas?
Proponho ao leitor uma pequena experiência que, consciente ou inconscientemente, num ou noutro formato, já todos realizaram:estique o braço direitoe posicione um dedo da mão direita na vertical; mantenha ambos os olhos abertos e com a mão esquerda tape alternadamente o olho direito e o olho esquerdo. O leitor notará que o seu dedo move-se aparentemente para a esquerda e para a direita em relação a pontos de referência situados a distâncias superiores à do dedo. Este efeito é designado por paralaxe e resulta de ver o dedo a partir de duas posições distintas (neste caso a posição do olho esquerdo e a posição do olho direito). O efeito de paralaxe, conjuntamente com cálculos simples de trigonometria, é utilizado para determinar distâncias, e em particular, distâncias às estrelas.
O efeito da paralaxe na posição das estrelas deve-se ao movimento de translação da Terra: à medida que a Terra percorre a sua órbita em torno do Sol as estrelas vão sendo observadas a partir de diferentes locais do espaço, pelo que a sua posição aparente no céu também se vai alterando. Ao fim de um ano, ou seja ao fim de uma volta da Terra em torno do Sol, cada estrela parece ter percorrido na esfera celeste uma trajectória de forma elíptica, cujo semi-eixo maior depende da distância a que se encontra a estrela. Deste modo, medindo o semi-eixo maior da elipse paraláctica de uma estrela é possível determinar a que distância se encontra. Para estrelas muito distantes o semi-eixo maior das elipses correspondentes é tão pequeno que deixa de ser mensurável, pelo que nesses casos não é possível determinar distâncias astronómicas pelo método da paralaxe. Actualmente, utilizando o método da paralaxe, é possível determinar distâncias com precisões aceitáveis para estrelas situadas até cerca de 1000 anos-luz. Para distâncias superiores é necessário recorrer a outros métodos.
Há vários modos de proceder para estimar a distância a astros situados para além da regiãoacessível através da paralaxe. Em geral osrestantes métodos baseiam-se na comparação entre o brilho intrínseco de um astro e o brilho observado a partir da Terra. Como facilmente se constata, o brilho com que vemos um objecto diminui à medida que a distância a esse objecto aumenta. Na realidade, podemos ser mais quantitativos: o brilho diminui com o inverso do quadrado da distância. Assim, se soubermos o brilho intrínseco de um astro, ao medir o brilho aparente podemos indirectamente determinar a distância a esse astro. Na prática esta tarefa não é de tão fácil implementação. Por um lado é necessário saber o brilho intrínseco do astro do qual queremos determinar a distância, por outro lado há que ter em conta factores que, para além da distância, contribuem para a diminuição do brilho aparente de um astro, como por exemplo a presença de gás e poeira no espaço entre o astro e a Terra.
Trabalhos de pesquisa muito exaustivos, realizados ao longo dos anos, permitiram encontrar alguns tipos de astros ideais para utilização na determinação de distâncias no universo. Esses astros têm brilho intrínseco relativamente bem conhecido e são suficientemente brilhantes para serem vistos a grandes distâncias. De particular importância são as estrelas do tipo Cefeida, que permitem determinar distâncias até cerca de 100 milhões de anos-luz com incertezas que vão até aos 15%, e supernovas do Tipo Ia que permitem determinar distâncias superiores a 3000 milhões de anos luz com incertezas de cerca de 5%.A determinação de distâncias tão grandes é de crucial importância para compreender a estrutura e evolução do universo, mas esse é um assunto para outra altura...
Observações:
1 - O semi-eixo menor de uma elipse paraláctica depende da posição da estrela na esfera celeste, podendo esta elipse degenerar num círculo ou num segmento de recta.
2 - O semi-eixo maior da elipse paraláctica da estrela Sírio é igual a 0,379 segundos de arco (1 segundo de arco é um ângulo igual 1/3600 graus), e a maior paralaxe estelar conhecido é a de Próxima Centauri, com um valor de 0,769 segundos de arco.