À Distância por Daniel Folha


  


Distâncias (quase) infinitamente grandes e distâncias (quase) infinitamente pequenas estão intrinsecamente relacionadas no Universo de que fazemos parte e que aos poucos vamos tentando conhecer melhor. Nesta rubrica escreverei algumas palavras, e números (!), sobre o Universo que vemos quando olhamos para um céu estrelado numa noite límpida. Uma modesta contribuição para ajudar a reflectir sobre a nossa posição no contexto cósmico.


Daniel F. M. Folha - Professor Auxiliar do Instituto Superior de Ciências Saúde – Norte (ISCS-N), Coordenador de Projectos e Protocolos do CIENCEDUC – Educação para as Ciências (Departamento de Ciências do ISCS-N), Investigador do Centro de Astrofísica da Universidade do Porto (CAUP) 


TÍTULO: À DISTÂNCIA...DE UM UNIVERSO JOVEM


Imagine uma região do céu vazia, sem uma única estrela. Mais do que imaginar, parece ser fácil identificar uma região dessas. Bastará olhar para o céu nocturno e indicar um local onde não se veja qualquer estrela. Será assim tão fácil? Feita a escolha a dedo aponte-se um pequeno telescópio e verifique-se se essa região continua sem estrelas visíveis. O mais provável é encontrar alguma estrela, mas ainda assim será possível identificar alguns locais do céu aparentemente vazios. Vazios até os observarmos com telescópios maiores ou durante mais tempo, neste último caso com recurso a registo fotográfico para obtenção de imagens com um longo tempo de exposição.


Há cerca de 15 anos uma equipa de astrónomos de centros de investigação ligados ao Telescópio Espacial Hubble (HST) fez algo semelhante ao proposto no parágrafo anterior: procuraram uma região do céu aparentemente vazia,que serviria de janela para o universo muito longínquo e jovem. Tendo definido essa região, observaram-na com um dos instrumentos a bordo HST, uma espécie de câmara fotográfica altamente sofisticada, de modo a obter imagens de muito longa exposição. As observações decorreram quase continuamente entre 18 e 30 de Dezembro de 1995, tendo sido obtidas imagens através de diferentes filtros, correspondentes a diferentes cores da luz visível. O tempo total de exposição através de cada filtro variou entre 30 horas e 42 horas. Através da combinação das imagens nos vários filtros foi produzida a imagem final, que se apresenta de seguida. Esta imagem, conhecida por “Hubble Deep Field” (HDF), em português Campo Profundo Hubble, representa um marco na astronomia. Nenhuma outra imagem de luz visível mostrava o universo tão longínquo.


O HDF corresponde a uma pequena porção do céu, com área cerca de 150 vezes menor do que a área de céu ocupada pela Lua cheia e, como facilmente se constata, está longe de ser uma região desprovida de objectos celestes. Nesta pequena área do céu foram identificadas cerca de 2000 galáxias, a maior parte delas com um brilho 1000 milhões de vezes inferior ao que é possível detectar à vista desarmada. O facto de serem tão pouco brilhantes quando vistas da Terra resulta das enormes distâncias que nos separam delas. As galáxias do HDF estão a distâncias que vão dos 2 aos 11 mil milhões de anos-luz. Se pensarmos que o universo tem cerca de 13,75 mil milhões de anos, ao olhar para o HDF viajamos até uma época em que o universo tinha1/5 da idade actual.

 

Estudos posteriores mostram que imagens de outras regiões do céu, obtidas em condições idênticas, revelam número idêntico de galáxias distantes por unidade de área. Constatando que seriam necessárias cerca de 30 milhões de imagens com a área do HDF para cobrir todo o céu, aritmética simples permite-nos concluir que o número de galáxias no universo é de, pelo menos, 60 mil milhões (30 milhões multiplicado por 2000). O número de galáxias no universo será contudo bastante superior a este. Podemos facilmente compreender que assim tem de ser ao olharmos para as galáxias que estão próximas de nós e que constituem o chamado Grupo Local, um grupo de cerca de 30 galáxias do qual faz parte a nossa galáxia, a Via Láctea. Se galáxias exactamente iguais a estas estivessem a 1000 milhões de anos-luz de distância, apenas três ou quatro, incluindo a Via Láctea, seriam detectadas numa imagem como a do HDF. A maior parte das galáxias do Grupo Local não seriam detectadas nem se estivessem a um décimo daquela distância.


A obtenção do HDF foi um passo enorme para o cumprimento de um dos mais importantes objectivos do Telescópio Espacial Hubble: testar as teorias de formação e evolução do universo, e em particular determinar o tamanho e a idade do universo . Em Janeiro de 2011, utilizando uma nova imagem do universo distante, conhecida como “Hubble Ultra Deep Field”, foi identificado o objecto celeste mais longínquo alguma vez observado: uma galáxia a cerca de 13,2 mil milhões de anos-luz de distância. Esta galáxia existia quando tinham decorrido apenas  500 milhões de anos após o Big Bang (4% da idade do universo). Para chegar à época da história do universo em que se iniciou a formação de estrelas e galáxias é preciso ir ainda mais para trás no tempo. Uma empreitada que será para levar a cabo como novo telescópio espacial, o “James Web Space Telescope”, cujo lançamento se prevê para o ano de 2014. Mantenha-se alerta...


Observação – Imagens de alta resolução do HDF podem ser obtidas através da hiperligação que se segue. Nas imagens de alta resolução, facilmente ampliáveis no ecrã de um computador, é  possível observar a miríade de formas e cores das galáxias presentes no HDF.

http://hubblesite.org/newscenter/archive/releases/1996/01/image/c/



Publicado/editado: 13/05/2011