Quadrantes por Francisco Fernandes

Clube de Matemática SPM - Fevereiro de 2018

 



Este espaço pretende narrar “estórias” de personagens históricas, “estórias” que vão além do plano formado pelos eixos espaço e tempo, localizados em quadrantes diferentes da historiografia tradicional, permitindo aos seus leitores, um aprofundamento da compreensão e humanização de diversos episódios da história da humanidade.     

Francisco Fernandes - Arqueólogo e Professor de História 


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Quadrantes por Francisco Fernandes - Terá sido Portugal o 1º país a abolir a pena de morte?

Clube de Matemática SPM - Fevereiro de 2018

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Título: Terá sido Portugal o 1º país a abolir a pena de morte?


A abolição da pena de morte em Portugal comemorou em 2017 o seu 150º aniversário. Durante esse ano ouvimos frequentemente na comunicação social e está mesmo enraizado no espírito da maioria dos portugueses de que Portugal foi o primeiro país a abolir a pena de morte.

Mas será este apenas mais um mito historiográfico que não corresponde à verdade?

Temos de recuar até aos inícios do século XIX, e recordar toda a violência que marcam as primeiras 3 décadas desse século, com invasões francesas, revolução liberal, contra-revolução, guerra civil e mais uma série de golpes e contra golpes, com a afirmação definitiva do liberalismo em Portugal em meados do século, que a rainha D. Maria II, através da promulgação do Acto Adicional à Carta Constitucional em 1852, aboliu a pena de morte para os crimes políticos, faltando apenas os crimes civis.

A 10 de março desse mesmo ano 1852, numa sessão do recém criado parlamento português, um deputado do partido governamental propõe a abolição da pena de morte para todos os crimes e com ela o fim do ofício de carrasco.

Apesar de terem aderido a ela vários proponentes, não chegou a reunir consenso e por isso não chega a ser aprovada a proposta que visava eliminar a pena capital.

Seria necessário esperar mais 15 anos para que a 1 de julho de 1867, por iniciativa do então ministro da justiça Augusto César Barrajona de Freitas, no âmbito da reforma prisional e penal, que é assinado um diploma legal pelo rei de então D. Luis I, abolindo assim em Portugal a pena de morte, embora apenas para os crimes civis.

Esta medida  teve repercussões e ecos por toda a Europa, levando mesmo a que o escritor francês Víctor Hugo, na altura provavelmente o homem com mais prestígio no velho continente, a dirigir uma carta ao diretor do Diário de Notícias, carta essa publicada a 10 de julho de 1867, enaltecendo a medida e tecendo altos louvores a Portugal e aos portugueses “Está pois, a pena de morte abolida nesse nobre Portugal, pequeno povo que tem uma grande história!... ... Felicito a vossa nação. Portugal dá o exemplo à Europa”.

Mas estes elogios de Victor Hugo a nosso país, não foram os primeiros que o escritor teceu. Anos antes a efémera República romana, que durou apenas de fevereiro a julho de 1849, já o havia feito, seguindo-se-lhe San Marino em 1865, e fora da Europa, em 1863 também a Venezuela  o havia realizado.

Apesar de não termos tido a primazia na abolição da pena de morte, Portugal pode-se orgulhar de ter estado na vanguarda dos direitos humanos, pois a concretização legislativa de tão importante medida, não foi mais do que um culminar de um processo de mudança de mentalidades iniciado muitos anos antes, com a promulgação da rainha D. Maria II, tal como já dito em 1852.

Definitivamente, em 1867, desapareceria o ofício de carrasco, embora já não existissem execuções legais há quase 20 anos em Portugal, pois o último homem civil condenado à morte havia sido executado por enforcamento em Lagos em 1846, e a última mulher remonta mesmo a 1772.

Em 1870, a Lei tornou-se mesmo extensiva a todos os territórios ultramarinos, faltando apenas a abolição da mesma na justiça militar, o que só foi definitivamente alcançado após o 25 de abril de 1974, com a aprovação da Constituição de 1976 que no artigo 24.º, n.º2 indica que “Em caso algum haverá a pena de morte”.

Não tendo sido o 1º país, não deixa de ser motivo de orgulho para Portugal e para os portugueses, estarmos na vanguarda dos Direitos Humanos.

Nestes dias, é bom relembramo-nos das palavras de Victor Hugo “Portugal dá o exemplo à Europa. Desfrutai de antemão essa imensa glória”, sobretudo, dias depois de termos conseguido mais um feito desportivo tornando-nos campeões da Europa de Futsal, juntando-se este título ao do de futebol de11.

Não tendo comparação, é bom termos orgulhos destes feitos de tão pequeno país mas repleto de gentes capazes de se superar.


Publicado/editado: 28/02/2018