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E a matemática pediu namoro à
poesia, mostrando-lhe todas as suas qualidades que passavam por sinais
aritméticos de riqueza, campos cheios de raízes quadradas e um coração
infinito, onde cabiam todos os números perfeitos, como convém a quem se
quer apaixonar. Ela, a poesia, achou-lhe graça. Encontrou-lhe alguma
métrica e deixou-se deslizar em hipérboles que sendo linguísticas a
levaram a exageros que nem o teorema de Pitágoras conseguira resolver.
As incógnitas desta relação eram muitas, atendendo às suas
personalidades ímpares, com números primos à mistura. Foram vivendo numa
matriz de entendimento construída por rimas pouco lógicas e amores em
fracções de denominador comum que sustentavam médias de paixão numa
POEMÁTICA difícil de teorizar…
Nuno
Guimarães - ex-engenheiro, leitor de Português nas Universidades de
Vilnius e de Vytautas Magnus (Kaunas), com manias de poeta…
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O Outono chegou preguiçosamente à cidade, com chuva de números miudinhos, quase
imperceptíveis, que molhavam as folhas virgens de papel, estendidas na minha varanda.
Um perfume numérico invadiu suavemente todas as ruas há muito desejosas de novos cheiros. As
paredes dos edifícios entretinham-se a contar desordenadamente os algarismos. Ao sabor de cada
gota aleatória deslizante, tentavam adivinhar sequências matemáticas que lhes colocassem sorrisos
de felicidade às janelas. Sequências não monótonas, limitadas superiormente por telhados
algébricos vermelhos e inferiormente por graníticos passeios que se transformam em rios onde os
números, em brincadeiras irreverentes, se organizam em progressões aritméticas. As operações
simples saíram dos cadernos da primária e pasmadas olhavam para aquela desorganização numérica
sem perceber se alguma regra prevalecera na determinação da ordem. Repórteres dos jornais
fotografavam. As televisões interrompiam emissões e em directo, davam conta do acontecimento
matemático, num Outono até ali seco de eventos que justificassem intervenções não programadas.
No céu ainda carregado de cinzento, uma plateia de figuras esfumadas riam, trovejando com pigarro
atravessado nas gargantas. Os contornos eram lineares e brilhantes, relâmpagos desenhando
Arquimedes, Bernoulli, Copérnico, Descartes, Einstein, Fibonacci, Galileo, Hook, Jacobi, Kepler,
Lagrange, Newton, Pitágoras, Riemann, Thales, Weber, Zenón… sequência alfabéticas,
interrompidas aqui e ali por ausência de nomes entretidos a sonhar.
Eu, ando por ali, registando loucuras. Conto, descubro, equaciono, seco as folhas de papel
desvirginadas pelos números miudinhos que choveram numa cadência poética dum Outono que
preguiçosamente chegou à cidade. Neles descodifico este texto que não sendo perfeito é por certo
uma sequência limitada e finita de palavras criptograficamente deixadas pelos poetas que
matematicamente, dos céus, me contemplam…