Título: O Dia das Mentiras
Episódio I por Gonçalo F. Gouveia - Dia 1
Como bastas vezes sucede, tudo começou de forma inocente. Era o Dia das Mentiras e Aníbal Agapito, veterano das salas de aula e experimentadíssimo explicador de matemática, estava ‘agastado’ – como costumava dizer, o que lhe valera o cognome de Agapito Agastado. Apesar de ser Domingo de Páscoa, apesar de ter avisado vezes sem conta, apesar de ter implorado ao Senhor que o deixassem em paz, pelo menos neste dia, um dos seus discípulos – Agapito agastava-se com o termo ‘explicandos’ porque lhe recordava que a sua tarefa jamais terminaria – insistia, por telefone, em pedir-lhe um “esclarecimento urgente”. Como se qualquer esclarecimento não fosse urgente, considerando o que as cabeças dos seus discípulos tinham – ou por outra, não tinham – dentro! Irritadíssimo, afastou o telefone do ouvido e revirou os olhos, procurando acalmar-se antes de responder. E foi esse passeio ocular, associado ao dia do calendário e a um impulso obscuro, que desencadeou a resposta que iria correr tão mal: “Meu rapaz, compreenda, não sou o professor Agapito, sou o irmão, e lamento informar que o professor Agapito faleceu agora mesmo.”
Episódio II por José Carlos Pereira - Dia 6
Ser dia 1 de Abril era a desculpa ideal para a mentira que acabara de contar. Afinal já perdera a missa, algo impensável para um católico cumpridor das suas obrigações cristãs, e ainda por cima a sucessão de telefonemas que estava a receber naquele dia eram seguidos de perguntas idiotas:
- “Professor, 1 + 1 é igual a 2? Porquê?”
- “Mestre, 1 é um número primo?”
- “Como se calcula o perímetro de um quadrado?”
Agapito estava cansado e irritado, ou como ele gostava de dizer estava “piurso”! Como é que alunos na fase final do secundário, prestes a enfrentar um exame, lhe estavam a fazer este tipo de perguntas? Todo o trabalho que desenvolveram ao longo dos anos não tinha servido para nada? Tudo lhe parecia um absurdo, ou estava a ter um pesadelo ou os seus discípulos estavam a ser malandros. Afinal era o dia das mentiras!
Episódio III por Francisco Fernandes - Dia 11
Agapito teve então uma nova ideia: “Agora, sem mim, quero ver como irão resolver todas aquelas questões!” – disse ele em voz alta, enquanto se preparava para sair à rua. E assim, manteve-se firme e resolveu dar vida à sua mentira.
Vestiu-se com roupas diferentes das que normalmente usava, escolheu as roupas mais coloridas do seu armário, evitando as monocromáticas do dia a dia, que caracterizavam o seu estatuto de rigoroso professor de Matemática. Colocou um bigode postiço, adereço carnavalesco que encontrou no quarto do seu filho e saiu para a rua determinado em enganar os conhecidos por quem passasse.
Entrou no seu café habitual. O empregado de mesa aproximou-se e não o reconheceu. Agapito estava feliz! Seria aquele o dia em que poderia estar descansado, sem que ninguém o importunasse com dúvidas matemáticas.
Episódio IV por José Veiga de Faria - Dia 16
Episódio V por Sílvio Gama - Dia 21
Episódio VI por Carlos Marinho - Dia 26
FIM