Luisa Tavares Moreira - Coordenadora Nacional do FMS Fénix Mais Sucesso é entrevistada do clube spm

Clube Entrevista maio de 2018

Luisa Tavares Moreira, Coordenadora Nacional do FMS Fénix Mais Sucesso, um programa de promoção do sucesso escolar é a convidada do mês de maio de 2018 do clube de Matemática da SPM. Da infância feliz até ao sucesso do Projeto Fénix, com soluções possíveis e determinadas a matemática, até à operação positiva na Cruz Vermelha e, claro passando por lugares geométricos desenhados envolvendo os tempos livres e a família. Esta entrevista vai até si nesta resolução simples.

Como foi a sua infância?
Tive uma infância feliz, para além dos meus pais e da minha irmã, tinha uma grande proximidade com os meus avós maternos, tios e primos; recordo que foi uma infância e uma adolescência de grande e bom convívio familiar. Havia tempo para tudo, para ler e ouvir contar histórias, ir ao cinema, bordar, brincar, recordo-me de brincar muito com a minha irmã e as amigas. Outros tempos eram dedicados ao estudo do piano, ao voleibol e ao que mais gostava, nadar…  Sempre que podia “escapar”, pegava na bicicleta e ia ver o mar, o que normalmente era seguido de uma repreensão. Mas, na vez seguinte, lá ia eu de novo! Contava os minutos, espreitando o relógio escondido de baixo do tampo da carteira, para regressar a casa onde, com as minhas amigas e a minha irmã, aproveitava todos os minutos para a brincadeira, até que a minha mãe chamasse para o “sacrifício” dos TPC. 

As aulas de matemática eram...
Tive matemática até ao 5º ano do liceu. Recordo que fiz a disciplina sem grandes sobressaltos, graças ao apoio do meu pai que me ajudava a ultrapassar dúvidas e até o íntimo receio de não ser capaz. De um modo geral tive bons professores, nomeadamente a matemática, o que significa que, para além de ensinarem bem, se preocupavam com a aprendizagem dos seus alunos.

Na área de investigação privilegiou a área da educação. Porquê? 
Na minha prática, enquanto diretora, fui constatando que a ideia de Escola não passava de uma utopia, pois não assumia o seu compromisso de atender a todos. Infelizmente, continuavam a replicar-se as injustiças e as desigualdades sociais, sob a forma de abandono e reprovações. Os alunos oriundos de famílias mais desfavorecidas e menos sucedidas eram – e são – aqueles que, na maioria das vezes, “perdem o comboio” da aprendizagem e ficavam pelo caminho, com tudo o que essa vivência acarretava de negativo e de frustração. 
No entanto, ontem tal como hoje continuo a acreditar que é possível construir uma Escola onde o espírito de equipa, a determinação, a ambição, a cumplicidade, o empreendedorismo, a equidade e a justiça permitam que cada aluno atinja o seu máximo potencial. Assim, fez todo o sentido que a área da minha investigação, com o mestrado e mais tarde com o doutoramento, estivesse ligada à constituição de caminhos conducentes ao sucesso escolar.

O que é o Projeto Fénix?
O Projeto alicerça-se numa nova organização da escola, que passa, essencialmente, por desarrumar os grupos turma, reequacionar os recursos existentes e operacionalizá-los de modo a que todos os alunos possam receber o máximo que a Escola tem para lhes oferecer, qualificando as aprendizagens de todos na sua transversalidade e fomentando a proximidade entre os professores e alunos e em que o ensino/aprendizagem coabite com o rigor, a paciência e a tolerância. Este modelo permite dar um apoio mais personalizado aos alunos que evidenciam dificuldades de aprendizagem nas disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática, ou outra identificada pela escola. De uma forma sucinta, consiste na criação de grupos “Ninhos” nos quais são, temporariamente, integrados os alunos que necessitam de um ensino mais individualizado para conseguirem recuperar aprendizagens não consolidadas, atendendo aos diferentes ritmos de aprendizagem. Os Ninhos funcionam no mesmo tempo letivo da turma de origem, o que permite não sobrecarregar os alunos com tempos extra de apoio educativo. Os Ninhos, são espaços dinâmicos com forte interação com a turma mãe, professores e alunos. O Projeto Fénix tem uma atitude preventiva, procurando que os alunos não acumulem “não aprendizagens”, permitindo, assim, que construam os seus percursos escolares com menos frustrações e mais sucesso.

A matemática e o português são as duas disciplinas onde o projeto atua. Porquê?
Sendo o português a língua-mãe ela é transversal a todo o currículo académico e importa sublinhar que o seu domínio é fundamental para a aquisição de aprendizagens e para a sua aplicação, quer em outras áreas do saber, como também em situações do quotidiano. Tendo em conta que um dos graves problemas de aprendizagem se relaciona indubitavelmente com a dificuldade de compreensão e expressão de enunciados, com finalidades diversas na generalidade das disciplinas, uma aprendizagem efetivamente eficaz só poderá ocorrer com a compreensão e expressão adequadas na língua portuguesa.
A matemática é usualmente apresentada em sala de aula aos alunos como um saber já construído, que não deixa lugar para a descoberta ou para a experimentação. Não são dados aos alunos exemplos nem razões para que estes sintam a matemática como uma área transdisciplinar e por isso continua a criar-se a imagem da matemática como uma ciência exata, pura, baseada exclusivamente em conhecimentos construídos com rigor absoluto, onde a criatividade não tem nenhum papel a desempenhar. Assiste-se, no entanto, a uma vontade de mudar o modo como a matemática é vista, o que implica mudar a forma como esta é apresentada e explorada nas salas de aula. 
Pretende-se com a Metodologia Fénix que estas disciplinas sejam mais valorizadas pelos alunos, e que sejam mais transversais a todas as áreas. Para isso, os alunos terão que acreditar nas suas capacidades pessoais, desenvolvendo capacidades de resolução de problemas, de cálculo, de comunicação, de raciocínio, de compreensão…

Quantas escolas fazem parte da rede?
Desde que surgiu em 2008, e o seu alargamento ao território nacional, com a inclusão nos sucessivos Programas Nacionais de Promoção do Sucesso Escolar (PMSE e PNPSE), o Projeto Fénix está presente em Portugal continental e nas ilhas dos Açores e da Madeira, em mais de 120 escolas (rede de escolas Fénix). Desde o início do Projeto estima-se que cerca de 30 000 alunos usufruíram diretamente do mesmo e 90 000 alunos indiretamente.

Foi diretora durante muitos anos de um agrupamento. Foi daí que surgiram todas estas ideias para ajudar os alunos no sucesso escolar?
Tal como refiro na página web do Projeto Fénix, “da janela da minha sala de trabalho, durante mais de dez anos, observei os alunos a entrarem e a saírem pelos portões daquela escola. Em silêncio me perguntava o que poderia fazer para que “aquelas aves ávidas de inquietações e de voo” pudessem, mais tarde, recordar e perceber aquela escola como um “Ninho” acolhedor onde aprenderam, cresceram, brincaram, criaram laços, partilharam afetos e onde espírito crítico, iniciativa e criatividade foram estimulados e desenvolvidos. Vislumbrava uma Escola onde todos os alunos aprendessem, onde nenhum aluno ficaria para trás”.

O Projeto Fénix tem sido uma forte aposta de todos os Ministros da Educação. Os resultados têm sido...
Penso que os resultados têm sido positivos. No triénio 2009/12 evidenciou ganhos, de forma muito clara, tanto no plano da administração, como no plano dos resultados escolares segundo Verdasca (2014); apontou ganhos significativos na redução das taxas de retenção, desistência e conclusão de ciclo demonstrando assim não ter havido quebra quanto à exigência, aspeto confirmado pelos referenciais da avaliação bem como uma progressiva melhoria da qualidade do sucesso. Em 2013/14, nos casos dos anos de escolaridade em final de ciclo, as classificações obtidas nas provas finais, combinando com variáveis de contexto como a natureza sociodemográfica e territorial, José Verdasca identificou, com base nos resultados disponibilizados pelo Ministério da Educação e Ciência que, nos 4.º, 6.º e 9.º anos, as UO Fénix nas provas finais a Português e a Matemática apresentaram uma percentagem de resultados positivos superior à percentagem nacional, registando um desempenho mais elevado na disciplina de Português do que na de Matemática. Numa leitura comparada das taxas de transição/conclusão os alunos do Projeto Fénix apresentaram índices superiores aos nacionais do 2.º ao 9.º ano de escolaridade, o que denota que o suporte oferecido aos alunos com mais dificuldades de aprendizagem é eficaz.
O Projeto Fénix, foi avaliado pelo Centro de Investigação Social – Instituto Universitário de Lisboa (CIS - IUL) que no relatório publicado em 2013 referiu que as escolas Fénix tiveram ganhos nas componentes “organizacional, pedagógica, propriedades organizacionais, e desempenho escolar e relação pedagógica”.
Em 2015/2015, os Agrupamentos que contratualizaram o Projeto Fénix, superaram as metas contratualizadas, reduzindo significativamente as taxas de retenção e desistência relativamente ao histórico – Ponto de partida.
No relatório de progresso da apresentação de “Resultados do Projeto Aprender a ler e a escrever em Portugal”, realizado por Maria de Lurdes Rodrigues, Isabel Alçada, Teresa Calçada e João Mata, e cujo principal objetivo era “aprofundar o conhecimento sobre o problema do insucesso escolar nos primeiros anos de escolaridade, o Projeto Fénix foi apontado como o principal recurso disponibilizado pelos agrupamentos no apoio proporcionado pela coordenação da escola ou pelos agrupamentos, e na apresentação pública foi salientado o Projeto Fénix como a medida com mais impato na melhoria dos resultados do 2º ano de escolaridade (Fonte Inquérito: Projeto Aprender a Ler e a Escrever em Portugal, 2015).

É presidente da delegação da Póvoa de Varzim da Cruz Vermelha Portuguesa. Em linhas gerais qual é a sua atuação nesta instituição?
Quando assumi a liderança desta delegação, as minhas prioridades e a dos meus colegas da direção foram as crianças e jovens, e o apoio à família. Criamos as seguintes valências: Casa do Regaço que acolhe crianças e jovens vitimas de abusos, maus tratos e negligência. Hoje, alguns destes adolescentes já se encontram em apartamentos de autonomia de vida, com sucesso pessoal, académico e também profissional; a Creche e Jardim de Infância Miminho, que acompanha os tempos de mudança e de inovação no âmbito da educação; o CAFAP - Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental, que desenvolve a sua ação junto de jovens em risco e famílias, no âmbito das competências parentais e o Voluntariado, que presta vários serviços de cariz social.

O que faz nos seus tempos livres?
Privilegio o tempo e os bons convívios em família, o meu porto de abrigo. Gosto de viajar, sobretudo conhecer outras culturas e outros modus vivendi. Quando o tempo está a favor, gosto de caminhar e andar de bicicleta; deixando lugar reservado para um livro e um filme. 

E tempo para a família?
Todos os meus projetos foram sempre muito partilhados, acarinhados pela minha família. Assim, a cumplicidade e o apoio que recebi dela cruzou os caminhos e os tempos que vivenciamos juntos, sempre que possível, privilegiando a qualidade do mesmo.

O matemático Alfred Rényi disse um dia que “quando estou infeliz trabalho em matemática para ficar feliz. Quando estou feliz, trabalho em matemática para me manter feliz”.  O que a faz feliz? 

Nesta fase da minha vida, a felicidade gira em torno da saúde, convívio e bem-estar da minha família, depois o gosto e o sabor do tempo que partilho com todos aqueles que fazem parte dos meus projetos, sejam eles da educação ou do voluntariado. 

                                                                                                                                                                                        Por Carlos Marinho

Publicado/editado: 01/05/2018