Ideias não Orientáveis por Inês Guimarães - Números e línguas exóticas

Eixos de Opinião de Novembro de 2020

Inês Guimarães - Aluna de Mestrado em Matemática e Autora do Canal MathGurl no YouTube  (Ver +)


Título: Números e línguas exóticas

Olá malta! Já vos aconteceu andarem a navegar pelo Google, feitos baratas tontas, até se depararem com um assunto estranhamente interessante? Foi isso que me aconteceu nos últimos dias; permitam-me que o partilhe convosco.

Ao longo da história, foram surgindo vários sistemas de numeração, isto é, várias formas de representar os números. Os nossos antepassados da pré-história desenhavam um traço (I) para representar o número 1, dois traços para representar o número 2 (II), três para o 3 (III) e por aí fora. Também devem estar familiarizados com a numeração romana, em que o número 73, por exemplo, é representado por LXXIII. Atualmente, o sistema de numeração mais utilizado é o sistema decimal (ou base 10), que recorre a 10 símbolos (0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9) para representar os números, e em que a posição de um número influencia o seu valor. Mais concretamente, quando escrevemos um número, cada posição tem um valor dez vezes superior ao da posição à sua direita. Por exemplo, no número 55, o “5” mais à esquerda tem um “peso” dez vezes superior ao “5” mais à direita, tendo em conta que se encontra no local das dezenas e uma dezena corresponde a 10 unidades. 

No entanto, embora seja conveniente adotar essa forma de representação dos números, devido ao facto de termos 10 dedos nas mãos, há certos locais do mundo que... preferem ser diferentes. Hoje, vamos viajar até à Papua Nova Guiné e contactar com sistemas de numeração um bocadinho mais exóticos.

Já ouviram falar de Oksapmin? Eu também não. Aparentemente, é uma língua falada numa certa região de Papua Nova Guiné e o sistema de numeração associado é considerado um sistema de base 27, uma vez que os falantes recorrem a 27 partes do corpo humano para expressarem os números! Mais especificamente, cada número entre 1 e 27 tem o nome de uma parte do corpo e os vocábulos são depois combinados de modo a expressarem números superiores a 27. Não é de loucos?! Espreitem a imagem abaixo para visualizarem melhor este processo.

Por outro lado, na língua Alamblak, existem apenas palavras para os números 1, 2, 5 e 20 – a malta de lá é muito económica! De facto, qualquer número (inteiro positivo) pode ser representado utilizando somente estes números, de forma mais ou menos engenhosa. Por exemplo, 73 escreve-se como (20 × (2 + 1)) + (5 × 2) + (2 + 1) e é designado por “yima hosfirpati tir hosfi hosfirpat”. Podem consultar esta tabela se quiserem entender porquê. Já a língua Ndom apenas contém palavras para os números 1, 6, 18 e 36. A título ilustrativo, 90 = (36 × 2) + 18 é designado “nif thef abo tondor”. Pelo menos, soa bem.

E se acham estes sistemas de numeração confusos o suficiente, então agarrem-se à cadeira porque vem aí pior... Na língua Bukiyip, também conhecida por Arapesh das Montanhas (uau), são utilizados simultaneamente DOIS sistemas de numeração distintos. Para contarem coisas como dias, cocos e peixes, essas pessoas utilizam a base 3 (ou seja, um sistema baseado em apenas 3 símbolos); já nozes, bananas e escudos são contados em base 4. Com efeito, a palavra “anauwip” tanto pode ser utilizada para se referir a 6 dias ou 24 bananas!

Enfim, acho fascinante o facto de um mesmo conceito admitir tantas representações diferentes, sobretudo pelo facto de a linguagem influenciar as próprias ideias que somos capazes de conceber. De facto, embora o propósito da linguagem seja facilitar a comunicação entre pessoas (talvez!), não nos podemos esquecer de que também recorremos à linguagem para comunicarmos internamente connosco próprios. Assim, o modo como pensamos e o modo como nos expressamos estão intimamente relacionados.

Qual dos sistemas de numeração acima consideram ser o mais criativo? E qual aquele que vos mete mais impressão?!

Espero que tenham gostado deste artigo e, se o quiserem comentar, passem pela página de Facebook do Clube de Matemática. Se me quiserem chatear, escrevam para inesguimaraes42@gmail.com.

Muito obrigada e até daqui a um mês!

 

Publicado/editado: 19/11/2020