Intersecções por Daniela Gonçalves - O duplo papel das narrativas profissionais

Eixos de Opinião de Junho de 2022

Daniela Gonçalves - Professora do Ensino Superior na ESE de Paula Frassinetti e do CIDTFF da Universidade de Aveiro (Ver +)


Título: O duplo papel das narrativas profissionais

Como processo de reflexão pedagógica, a narrativa profissional permite ao docente, à medida que conta uma determinada situação, compreender causas e consequências da atuação, reconhecer limites pessoais, redefinir modos de agir e criar novas estratégias num processo de reflexão, investigação e nova reflexão. 

Enquanto leitura do humano, as narrativas profissionais ajudam a construir discursos de possibilidade que reivindicam o papel das escolas como lugares de esperança, resistência e possibilidade democrática.

A utilização deste método permite, acompanhar o professor no seu desenvolvimento profissional, na sua perspetiva própria interior, deixando-o evoluir, devolvendo-lhe as suas ideias e conferindo-lhe espaço para pensar nelas fora da escola, para o “obrigar” a olhá-las de um modo diferente, mais exterior e, proporcionando-lhe, por isso, outros ângulos de análise.

As narrativas profissionais apresentam-se com um meio de potenciar o desenvolvimento profissional, assim como uma ferramenta que promove uma visão reflexiva sobre a prática.

Neste âmbito, por um lado, as narrativas profissionais constituem, por parte do seu narrador, uma oportunidade de organizar e selecionar os dados mais relevantes (no que constitui já um primeiro nível de interpretação), potenciando a atribuição de significado(s) à sua prática, avaliando processos e modos de agir e, por outro lado, as narrativas constituem, para quem delas beneficia na qualidade de ouvinte/leitor, uma oportunidade de confronto com as dúvidas, fracassos, receios, bem como com as conquistas, descobertas e alegrias vivenciadas pelos pares, potenciando assim a participação e partilha entre profissionais.

Deixamos apenas uma recomendação na utilização das narrativas profissionais: resistir à tentação do exercício narcísico. Ao invés, as narrativas profissionais podem apresentar-se como um espaço e tempo de encontro crítico da própria voz, procurando responder a perguntas como:

O que faço? Como faço? Faço o que faço como que pressupostos, valores e crenças acerca do ensino? De onde vieram essas ideias? Que práticas sociais são expressas nessas ideias? Que motivo me leva a fazer o que faço? O que devo/posso fazer para mudar o que faço?

Desejamos que haja espaço, tempo e lugar para refletirem sobre estas e outras questões, registando a(s) voz(es) em forma de narrativa profissional. Servirá bem o narrador, assim como o leitor. Trata-se do duplo papel das narrativas profissionais.

 

Publicado/editado: 08/06/2022