Linhas e Pontos por Carlos Marinho - Geometria

Eixos de Opinião de Julho de 2022

Carlos Marinho - Professor de Matemática (Ver +)


Título: Geometria

Um dia um professor de Filosofia, cumprindo os pressupostos da avaliação dos alunos, fez o último exame do ano. De uma forma inusitada, mandou sentar os alunos, tirar o material de escrita e disse: o exame de hoje tem apenas uma pergunta. Têm quatro horas para defender, dissertar, teorizar sobre esta pergunta pertinente.

À frente da sua carteira, colocou a sua cadeira da secretária e questionou:

- Quatro horas para me dizerem que esta cadeira não existe…

Deu o sinal de início do exame. Sentiu-se, de imediato o impulso avassalador dos que marram, dos que decoram, dos que não pensam. Até se ouvia o tilintar das canetas a intersetarem o papel. As mais diversas teorias de Sócrates, Galileu, Ptolomeu, Descartes e afins. Ao fim de um minuto, eis que um aluno entrega o seu exame. Atordoado, o pobre professor, impondo a sua autoridade, disse-lhe:

- Tem quatro horas para acabar o exame e já desistiu!

O aluno tranquilo defendeu:

- Não, professor. Não desisti. Pelo contrário. Já acabei!

O professor olhou para o exame do aluno, incrédulo, viu apenas uma frase para corrigir, que dizia:

“Qual cadeira?"

Nota 20. Há quem diga que este aluno era um jovem promissor matemático.

É verdade, podemos escrever, teorizar, defender, gritar, agredir, mas a verdade, as grandes descobertas da humanidade são coisas simples, que se escrevem numa frase. Um dia pediram-me para apresentar um projeto para um determinado assunto. E, apresentei. Uma página A4, com o essencial, indo ao coração do que queria desenvolver. Referiram-me que existiam, projetos com 300 páginas. Que o meu não teria hipótese. Foi o melhor. Porquê? Porque tinha boas ideias. Conheço pessoas que copiam, aldrabam, textos para conseguirem ter sucesso, darem o fundamento que são muito competentes. Quando os esprememos, não sai nada. Defendo que os projetos que tenham mais de uma página não prestam. Podem colocá-los fora.

As ideias que mudaram o mundo, as grandes ideias, e.g., a invenção da roda, começaram por uma das palavras mais importantes do nosso dicionário, geometria. Deriva do latim, “geo” “terra” e “metria”, “medida”. Geometria é a medida da terra. Em pleno século XXI as descobertas são impressionantes, mas que têm na base, o raciocínio, a inteligência de cientistas e procuradores sem procuração da ciência. 

E, assim vai o mundo! Basta recordar René Descartes, maldisposto, dorminhoco, mas um génio 500 anos à frente do seu tempo. Descobriu todo o sistema cartesiano numa cama de hospital apenas seguindo com o olhar o movimento de uma mosca. O seu corpo estava preso, mas a sua mente voava num imaginário sem fim. Como se diz em latim “audaces fortuna juvat” (a sorte protege os audazes) ou se quiserem “aquila non capite muscas” (a águia não caça moscas). Os grandes são grandes. Por mais entulho que lhes apareça à frente, uns nasceram para ser pequeninos, outros para serem grandes

 

Publicado/editado: 11/07/2022