Números Reais por Hélder Pinto - A Matemática e a morte de Puccini…

Eixos de Opinião de Novembro de 2019

   

Hélder Pinto - Professor no Instituto Piaget e Investigador em História da Matemática (Ver +)


Título: A Matemática e a morte de Puccini…

(uma passagem de um manual de Sebastião e Silva de 1978)
 
Quando lemos um livro de matemática antigo, em geral, os resultados matemáticos que lá estão são corretos e verdadeiros até aos nossos dias. A exceção poderá ser uma gralha ou outra, mas os teoremas e as proposições mantêm-se igualmente válidos como no dia em que foram publicados. A componente gráfica pode mudar, os temas em voga também, mas o conteúdo é absolutamente verdadeiro. O mesmo não acontece noutras ciências e as teorias vão sendo atualizadas à medida que se vai obtendo mais dados sobre o mundo real.
 
Por exemplo, as proposições dos Elementos de Euclides continuam válidas e verdadeiras embora já se tenham criado outras geometrias importantes como a geometria cartesiana e as geometrias não-euclidianas (estas últimas geometrias são diferentes da geometria euclidiana pois não consideram o 5.º postulado de Euclides, mas estas não «contradizem» nem desfazem o que foi demonstrado nos Elementos).
 
Um outro exemplo, bem mais recente, do que me refiro é o Compêndio de Matemática do Professor Sebastião e Silva de 1978 (Ano Propedêutico). Tudo o que lá se encontra é absolutamente correto até hoje. A exceção está na sua última secção onde se afirma, por exemplo, que «a probabilidade que tem um grande fumador de contrair cancro nas vias respiratórias é cerca de 1/8». O erro aqui não está na matemática propriamente dita, mas sim no conhecimento da realidade que ainda era bastante incompleto à época (para além do lóbi de certas indústrias, que nem sempre é o mais correto eticamente…). Hoje sabe-se que o panorama é bem mais negro para os fumadores:
 
Consequências do tabagismo
Os fumadores têm, em média, menos dez anos de vida do que os não fumadores, pois as substâncias do fumo do tabaco afetam alguns órgãos importantes, ao mesmo tempo que tornam o organismo mais frágil em relação a uma série de doenças.
O tabaco é responsável por:
25 a 30% da totalidade dos cancros — incluindo cancro do aparelho respiratório superior (lábio, língua, boca, faringe e laringe);
80% dos casos de doença pulmonar crónica obstrutiva;
75 a 80% dos casos de bronquite crónica;
90% dos casos de cancro do pulmão;
20% da mortalidade por doença coronária.
 
 
Existem ainda outras referências nesta parte do texto que se encontram completamente datadas: a noção de grande fumador aplicava-se apenas a quem fumasse mais de 40 cigarros por dia…; a ideia de que a morte de Puccini aos 66 anos era uma coisa boa em termos de longevidade (note-se que a esperança de vida em Portugal está hoje acima dos 80 anos); etc.
 
A seguir apresenta-se o texto de que temos vindo a falar, chamando a atenção para a importância da estatística referida pelo autor, bem como o rebater da seguinte crítica a quem refere os malefícios do tabagismo: há «muitos casos de não fumadores que contraem o cancro» (note-se que esta ideia persiste recorrentemente ainda nos dias de hoje, especialmente por parte dos fumadores…).
 
 
J. Sebastião e Silva, Compendio de Matemática – Ano propedêutico (1.º Vol., 2.º Tomo), Portugal, 1978, pp. 291-294.  
Publicado/editado: 17/11/2019