Quadrantes por Francisco Fernandes - 24 de julho é bem mais do que o nome de uma avenida em Lisboa

Eixos de Opinião de Julho de 2022

 

 

 

 

Francisco Fernandes - Arqueólogo e Professor de História


Título: 24 de julho é bem mais do que o nome de uma avenida em Lisboa

Praticamente todo o país já ouviu falar da avenida 24 de julho em Lisboa. A maioria conhece-a como a avenida de eleição para a diversão noturna. Mas a data existe também na toponímia de muitas vilas e cidades portuguesas, como Folgosa na Maia, Almeirim e Salvaterra de Magos. Mas qual o seu significado comemorativo?

Para os católicos, celebra-se neste dia a Santa Cristina, uma mártir do século III que recusou-se a renegar a fé cristã, tendo morrido torturada pelo próprio pai. Para os apaixonados da corrida espacial, foi nesta dia em 1969 que a Apolo XI regressou à Terra após a 1ª missão tripulada à Lua. 

Mais recentemente, neste data passou também a celebrar-se o dia dos primos. Mas o assunto que nos trás aqui hoje não é para falar de primos mas sim de irmãos. Provavelmente os irmãos mais conhecidos da história de Portugal, D. Pedro e D. Miguel, pois foi nesta data, 24 de julho de 1833 que as tropas liberais afetas a D. Pedro, lideradas pelo duque da Terceira, entraram em Lisboa, iniciando a derrota do exército de D. Miguel e do absolutismo em Portugal.

Este é provavelmente um dos períodos mais sangrentos da história portuguesa, o período da guerra civil, uma guerra fratricida, assumindo esta palavra um sentido verdadeiramente literal, pois foi uma guerra que opôs estes dois irmãos, D. Pedro e D. Miguel. Uma guerra que dividiu o país, apoiando ou a fação liberal de D. Pedro ou a fação absolutista de D. Miguel.

É sempre difícil retratar este período conturbado da nossa história, um período revolucionário no âmbito do contexto europeu que preconizou mudanças políticas e sociais profundas, abrindo as portas aos modelos que ainda hoje vigoram, o fim das monarquias e do poder absoluto e o início dos estados liberais, com leis escritas, passando todos a estarem submetidos à vontade da nação, expressa agora num conjunto de leis escritas denominada de Constituição.

Este processo revolucionário, iniciado em 1789 na França, espalhando-se depois por toda a Europa, dividiu países interna e externamente. Mas e em Portugal? Tal como outros, estaria o país assim tão dividido? Seriam assim tantos os apoiantes de D. Pedro? D. Miguel era assim tão odiado como nos é descrito muitas vezes nos próprios manuais de história?

Aparentemente não.  Hoje em dia ganha força a ideia que D. Miguel era afinal um rei adorado pela maioria do povo, apesar da violência e repressão que moveu a todos os que se opunham às suas ideias, valendo-lhe até a alcunha de “caceteiro”.

É fácil perceber esta adoração do povo ao rei D. Miguel, sempre recebido de forma apoteótica no reino, com cortejos adornados com flores, bandeiras colchas e foguetes, visto como um salvador e alguém que amava Portugal, com escritos da época a compararem-no ao arcanjo S. Miguel. 

D. Miguel era a antítese do seu irmão D. Pedro. Era beato e fervoroso católico, da moral e dos bons costumes, ao contrário do seu irmão, adepto liberal e com comportamentos libertinos, tendo tido 18 filhos de duas mulheres legítimas e de 5 amantes. D. Miguel não tinha renunciado a Portugal enquanto o seu irmão tinha optado por permanecer no Brasil, tendo conduzido mesmo aquele território à sua independência.

Assim, quando D. Pedro renuncia ao trono brasileiro para vir defender os interesses de sua filha, D. Maria, herdeira legítima da coroa portuguesa, e regressa a Portugal, lidera sobretudo um exército composto por emigrados e mercenários estrangeiros que vai guerrear 80 mil soldados absolutistas de D. Miguel e a maioria do povo português, fiel seguidor da secular aliança do trono e do altar, que apelidam D. Pedro de brasileiro.

D. Miguel representa assim a tradição e o conservadorismo, o Portugal Velho, com uma mentalidade que como todas as mentalidade, são de difícil alteração, mas que não conseguiu travar esta mudança que D. Pedro trás e que se afirmou com a conquista de Lisboa a 24 de julho de 1833, levando depois à rendição de D. Miguel e à assinatura da Convenção de Évora Monte em 1834. Mas esse é já outro quadrante desta nossa história.

 

Publicado/editado: 21/07/2022