Quadrantes por Francisco Fernandes - A Conquista de Lisboa e Martim Moniz: entalado ou enganado?

Eixos de Opinião de Outubro de 2021

 

 

 

 

Francisco Fernandes - Arqueólogo e Professor de História


Título: A Conquista de Lisboa e Martim Moniz: entalado ou enganado?

Segundo as crónicas, a 21 de outubro de 1147, faz hoje precisamente 874 anos, Lisboa era tomada pelas tropas cristãs de D. Afonso Henriques, juntamente com uma frota de cruzados instruídos por S. Bernardo de Claraval, abade da ordem de Cister, a quem D. Afonso Henriques havia solicitado auxílio.

Foram mais de 4 meses de cerco à cidade, com inúmeras lutas e batalhas entre sitiantes e sitiados, sendo talvez o mais conhecido de todos o episódio de Martim Moniz que, sacrificando a sua própria vida, se fez entalar numa das portas da muralha de Lisboa, permitindo assim a entrada das tropas cristãs e a conquista heroica da cidade.

Mas será este episódio da nossa história verdadeiro, terá Martim Moniz morrido entalado ou estaremos todos a ser enganados?

Existem dois relatos contemporâneos da conquista de Lisboa feitos por cruzados estrangeiros e em nenhum deles este episódio heroico é mencionado, o que não deixa de ser estranho, pois este seria um feito digno de ser narrado.

A primeira vez que encontramos um registo escrito deste episódio remonta ao século XVII, mais concretamente a 1632, na Crónica de D. Afonso Henriques escrita por Frei António Brandão, historiador português na sua “Terceira Parte da Monarchia Lusitana”. Mas o mesmo é profundamente impreciso na sua descrição e até contém algumas incongruências. 

O próprio Alexandre Herculano refuta mesmo o episódio, dando importantes pistas sobre o modo em como a cidade passou para o domínio do rei português, contrariando a tese de uma conquista pela força.

Hoje sabemos que por falta de mantimentos e pelo fim da esperança em auxílio pelo  rei mouro de Évora, Ibn Wasir, os muçulmanos de Lisboa renderam-se e negociaram tréguas com o monarca português em troca das suas vidas, das pessoas da cidade e dos seus bens.

Contudo o que se passou com a entrada dos cruzados alemães e flamengos em Lisboa, foi um verdadeiro massacre, como muçulmanos e os cristãos que viviam na cidade(moçárabes) a serem chacinados e a cidade a ser pilhada, num puro ato de selvajaria e roubo, pois os moçárabes da cidade eram tão católicos como aqueles que os estavam a roubar e assassinar.

Provavelmente para apagar este episódio vergonhoso da nossa história, pois foi D. Afonso Henriques que havia acordado com os cruzados a pilhagem da cidade em troca do seu auxílio, que terá nascido o mito de Martim Moniz, aproveitando provavelmente algum guerreiro de esse nome que pode ter perdido a vida numas das inúmeras pelejas que o cerco teve.

Aproveitando este relato de Frei António Brandão, João Roiz de Vasconcelos e Sousa, conde de Castelo Melhor e suposto descente de Martim Moniz, mandou colocar uma inscrição com esse feito numa das portas da cerca de Lisboa em 1646, provavelmente para engrandecer os seus pergaminhos de nobre, numa época em que a nobreza portuguesa procurava restaurar a sua glória e prestígio após o domínio filipino.

Mas isso já é outro quadrante desta história.

Publicado/editado: 21/10/2021