Quadrantes por Francisco Fernandes - A União Ibérica. Terá a coroa portuguesa sido herdada, usurpada, conquistada ou comprada?

Eixos de Opinião de Abril de 2022

 

 

 

 

Francisco Fernandes - Arqueólogo e Professor de História


Título: A União Ibérica. Terá a coroa portuguesa sido herdada, usurpada, conquistada  ou comprada?

A 16 de abril de 1581, há 441 anos atrás, nas cortes de Tomar, os representantes do clero, nobreza e do povo de Portugal, reconheceram como rei legítimo de Portugal, Filipe II de Espanha, passando a coroa portuguesa e espanhola a estarem unidas durante 60 anos.

A união ibérica foi uma solução para a crise dinástica que a morte do rei D. Sebastião, a 4 de agosto de 1578 na batalha de Alcácer Quibir, despoletou, pois D. Sebastião não tinha descendentes, agravada com a morte do seu sucessor, o cardeal D. Henrique, a 31 de janeiro de 1580, tio-avô de D. Sebastião e 5º filho do rei D. Manuel I, também ele sem descendentes e sem sucessor nomeado.

Existiam vários pretendentes à coroa portuguesa. Todos tinham em comum serem descendentes do rei D. Manuel I. De todos destacaram-se Filipe II de Espanha e D. António, prior do Crato, sendo que todo este processo de sucessão e escolha de novo monarca foi tudo menos pacífico.

Logo nas cortes de Almeirim reunidas em janeiro de 1580, ainda antes da morte do cardeal D. Henrique, a opinião geral era favorável a Filipe II. Além de ser neto de D. Manuel I, pois era filho de D. Isabel de Portugal, Filipe não se poupou a esforços para conquistar apoiantes, e o não poupar é o termo melhor empregue, pois o monarca espanhol gastou uma enorme fortuna a comprar esse apoio nos membros mais influentes da nobreza, do clero e dos procuradores dos concelhos, elementos do povo que tinham assento nas cortes. Foi mesmo um nobre português chamado Cristóvão de Moura que desempenhou este papel, tendo-se desdobrado em contactos, realizando vários subornos, chantagens e mesmo ameaças, de forma a que os apoios a Filipe II fossem expressivos, sendo que mesmo alguns dos outros pretendentes passaram a apoiar o monarca espanhol.

A aclamação foi mesmo desejada pelas elites portuguesas. O clero, sobretudo a Companhia de Jesus, aceitou-o com bastante entusiasmo, pois era bem conhecido o fervor religioso de Filipe II na luta contra o protestantismo. A nobreza contava com o seu dinheiro para pagar os elevados resgates dos cativos, após o desastre de Alcácer Quibir. E mesmo os grandes mercadores desejavam ficar sob domínio do mais poderoso monarca da época, dono de um império que ia dos Países Baixos até à América no ocidente, e às Filipinas no Oriente, alargando assim os territórios onde poderiam desenvolver os seus negócios.
Mas, com a morte do cardeal D. Henrique, ainda nem toda a sociedade portuguesa tinha aceite a ideia de ter agora um soberano não português.

O rosto visível dessa oposição foi D. António, prior do Crato, que congregou o apoio de todos aqueles que desejavam manter um rei português, tendo sido aclamado rei a 19 de junho de 1580 em Santarém.

Este aclamação fez despertar uma série de revoltas e motins populares em várias cidades do país, com destaque para Lisboa, favoráveis a D. António. 

Perante estes motins, Filipe II decide conquistar Portugal pela força, enviando um enorme exército comandado pelo duque de Alba, um veterano de guerra que tinha sido o responsável pela repressão violenta e sangrenta da revolta ocorrida anos antes nos Países Baixos,  tendo empregue a mesma violência agora, pois à medida que ia percorrendo o Alentejo em direção a Lisboa, ia enforcando todos os resistentes que ia capturando. Uma a uma, várias vilas e cidades foram capitulando perante o exército espanhol, que chegou a Lisboa a 25 de agosto de 1580, obrigando D. António  a fugir primeiro para o norte e depois a abandonar o país, auxiliado pelos ingleses.

Praticamente todo o país foi forçado então a reconhecer Filipe como o novo monarca, tendo apenas os Açores mostrado alguma resistência, pois só o reconheceram em 1583.

O desenrolar de todo este processo levou mesmo o historiador Oliveira Martins a atribuir uma frase a Filipe II “Herdei-o, comprei-o e conquistei-o”.

Esta união durou então 60 anos e só foi interrompida pois os sucessores de Filipe II não cumpriram aquilo que havia sido acordado. Mas esse é já um outro quadrante da nossa história.

 

Publicado/editado: 21/04/2022