Quadrantes por Francisco Fernandes - Carlota Joaquina uma rainha mal amada ou apenas maltratada?

Eixos de Opinião de Março de 2022

 

 

 

 

Francisco Fernandes - Arqueólogo e Professor de História


Título: Carlota Joaquina uma rainha mal amada ou apenas maltratada?

A 17 de março celebra-se o dia de São Patrício, bispo e padroeiro da Irlanda, tornado famoso pela celebrações que vemos em filmes e séries norte-americanas, especialmente as que retratam a comunidade irlandesa na costa leste, em cidades como Boston. Mas não é de São Patrício que queremos falar. Bem pelo contrário. 

A história de hoje segue um vetor bem oposto, pois em março também se celebra o Dia Internacional da Mulher, levando-nos a um outro quadrante da nossa história, a da vida da rainha consorte Carlota Joaquina, uma mulher que foi infanta de Espanha, princesa de Portugal, rainha de Portugal, Brasil e Algarves e imperatriz honorária do Brasil.

Filha primogénita dos reis de Espanha Carlos IV e Maria Luísa de Parma, Carlota Joaquina nasceu no Palácio Real de Aranjuez no dia 25 de abril de 1775. Com apenas 8 anos foi acordado o seu casamento com o príncipe português D. João, filho da rainha D. Maria I e herdeiro da coroa portuguesa. O seu casamento ocorreu 2 anos após, a 8 de maio de 1785, tendo D. João dezoito anos e D. Carlota apenas dez, passando agora a princesa a viver na corte portuguesa, junto do seu marido, embora se conte que o casamento só foi efetivamente consumado tendo Carlota já 15 anos.

Contudo o choque de passar a viver na corte portuguesa, uma corte fechada, conservadora que exigia decoro e postura, terá marcado desde logo a um afastamento de D. Carlota com os portugueses, pois ela tinha sido educada numa ótica mais liberal, revelando ser possuidora de uma inteligência e perspicácia surpreendentes, com opiniões e vontades próprias, características que não eram bem vistas nas mulheres de então.

Terá sido este distanciamento e isolamento na corte portuguesa que terão levado D. Carlota Joaquina, a ter comportamentos promíscuos na idade adulta, afastando-a de um casamento infeliz, seguindo o exemplo da sua mãe, a rainha D. Maria Luísa, que passou a vida a enganar o marido e rei de Espanha.

Dos nove filhos que teve, existem muitas dúvidas que todos fossem de D. João, tendo-lhe sido apontados vários amantes, embora a paternidade de D. Pedro nunca tivesse sido colocada em causa.

Mas a faceta que levou a que a nossa historiografia tal mal retratasse D. Carlota Joaquina foi o seu interesse, ousadia e envolvimento ativo na política portuguesa, política que era um mundo exclusivo dos homens.

Casada com o príncipe regente, durante o período em que D. Maria I ensandeceu, nunca D. Carlota Joaquina escondeu a sua ambição política, levando-a mesmo a conspirar para tomar o lugar do marido, num episódio que ficou conhecido como a “Conspiração dos Fidalgos”, ocorrida entre 1805 e 1806, cujo falhanço levou a um afastamento ainda maior a D. João.

Outro projeto megalómano, também fracassado, foi a sua tentativa de se tornar rainha das colónias espanholas do Rio da Prata (atual Uruguai e Argentina) em 1808, numa altura em que o pai e o irmão eram prisioneiros de Napoleão e ela encontrava-se no Brasil, local para onde a corte portuguesa se havia instalado desde 1807, na sequência das invasões francesas a Portugal, local que ela nunca gostou e onde se sentia ainda mais deslocada, sendo célebre a história do seu regresso a Lisboa, em que ela tira os próprios sapatos e os sacode dizendo que daquela terra nem o pó queria levar consigo.

Mas provavelmente o seu maior pecado foi a aposta fracassada num regresso a um Portugal Absolutista. Após a revolução liberal de 1820, D. Carlota Joaquina já rainha desde a morte de D. Maria I em 1816, nunca aceitou a Constituição de 1822, recusando-se a jurá-la, passando a apoiar o seu filho D. Miguel num projeto de regresso do Absolutismo a Portugal, em revoltas contrarrevolucionárias como a Vilafrancada e a Abrilada em 1824, que a própria comandou, esta última tentando colocar no trono o próprio D. Miguel, cujo insucesso lhe valeu o exílio decretado por D. João VI para o palácio de Queluz.

Isolada, sozinha, afastada dos filhos e deprimida, D. Carlota Joaquina acabaria por falecer aos 54 anos de idade no Palácio de Queluz em 1830, tendo depois os seus restos mortais sido depositados ao lado do seu marido no Panteão real da casa de Bragança na Igreja de São Vicente de Fora em Lisboa.

Apelidada de ignorante, traidora, feia e ninfomaníaca, D. Carlota Joaquina pagou o preço de ser uma mulher inteligente e com pensamento próprio, cujo principal erro foi sempre ter escolhido o lado errado da História, o dos perdedores, pois normalmente a história é sempre contada por outro quadrante, o dos vencedores.

 

Publicado/editado: 21/03/2022